GEORGES MINOIS
(França, 1946)
Escritor,
professor de História
***
O inextinguível
riso dos deuses
«Depois de o deus rir,
nasceram os sete deuses que governam o mundo… Quando ele rompeu às gargalhadas,
surgiu a luz (…) Gargalhou segunda vez, e tudo foram águas. À terceira gargalhada,
apareceu Hermes; à quarta, a geração; à quinta, o destino; à sexta, o tempo».
Depois, antes do sétimo riso, o deus inspirou fortemente, mas tanto riu que até
chorou, e das suas lágrimas nasceu a alma.
Assim nos fala o autor
anónimo de um papiro alquímico do século III da nossa era: o papiro de Leiden.
O universo surgiu de um enorme acesso de riso. O deus, o Único, seja ele qual
for o seu nome, foi presa – não sabemos por quê – de uma crise de riso louco,
como se subitamente tivesse tomado consciência do absurdo da sua existência.
Nesta versão da criação, o deus não cria pela palavra, que já é civilização, mas
por essa explosão de vida selvagem, e cada uma dessas sete gargalhadas faz surgir
do nada um novo absurdo tão absurdo como o próprio deus: luz, água, matéria e espírito.
E depois deste big bang cómico e cósmico,
o deus e o universo – aquele que ri e a sua explosão de riso – ficam num eterno
cara-a-cara, interrogando-se sobre que fazem aqui.
in”História do Riso e do Escárnio”
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