FERNANDA DE CASTRO
(Lisboa, Portugal, 1900 – 1994)
Escritora
***
Haverá coisas mais
estranhas do que gostar sem saber de quem? Quando se é novo gosta-se porque a
alegria nos habita como uma presença a que damos, quase sempre erradamente, o
nome de alguém.
Mais tarde, quando a
mocidade passa, gosta-se mais, como se todas as horas fossem as da despedida,
mas a vida já nos ensinou que há trigo e que há joio e já não pomos facilmente
um nome à ansiedade que vive em nós – não como dantes vivia a alegria, mas como
podia viver um pássaro cativo a que tivessem cortados as asas.
Haverá, na verdade, que
mereça a dádiva total do amor ou da amizade? Quem seja capaz de resistir à
tentação das pequenas traições quotidianas, das omissões voluntárias, das
mentiras a que chamamos piedosas?
Chove. Está uma noite de
vento e de lama. Por onde andarão as estrelas?
in
“Ao Fim da Memória”
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