REINALDO FERREIRA
(Lisboa, Portugal,
1897 - 1935)
Jornalista,
dramaturgo, cineasta
***
Nas
“Memórias de um chauffer de táxi”,
vamos encontrar uma das mais pitorescas personagens criadas por Reinaldo
Ferreira: Juca, o “Menjou da Estefânia”.
***
Não
foi tarefa fácil convencer Juca a exibir-me os numerosos dossiers das suas memórias de chauffer…
É que Juca, ladino, pícaro, espertalhão, sempre armado em ventosa de gorjetas,
possui, em contável grau, o que podemos intitular dignidade profissional. Fiel aos seus fregueses, orgulhoso da
confiança que em si depositam – sabia-lhe a traição e a deslealdade
confidenciar-me os segredos da sua clientela. Por fim, cedeu – impondo
condições solenes e graves. Que os nomes que rotulassem os heróis dos episódios
narrados não seriam os verdadeiros…
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MEMÓRIAS DE UM CHAUFFEUR DE TÁXI
“Durante
todo o ano de 1925 prestei serviços ao senhor Mário de Canavarro. O senhor
Canavarro, que vinha de propósito à praça para me escolher a mim sempre que
precisava de um táxi, não era, positivamente um estroina.
“Disse
e repito que não era um estroina – mas tomara muitos estroinas terem a graça do
senhor Canavarro. Mal ele entrava em qualquer parte vinham logo fazer-lhe cerco
só para ouvirem as histórias, os ditos e os propósitos, que era da gente
estoirar às risadas.
Mas
se graça tinha a falar, as partidas que pregava não lhe ficavam atrás. Ainda
hoje a rapaziada da sua época se recorda de algumas que ficaram célebres como,
por exemplo, aquela do cão do senhor major T…, um cachorro branco e muito
antipático que era o maior orgulho do dono que o tratava com cuidados paternais
e que parecia ter medo que lho cobiçassem.
O major T… ia todas as tardes tomar
café à Brasileira, mas não largava a prenda do cão nem por decreto… Quando
alguém o acariciava, ficava logo nervoso, e se outro insistia, abespinhava-se,
dizendo: “Faça favor de deixar o animal.” Um dia o senhor Canavarro apanhou o
major distraído, cortou a correia ao cão e levou-o… O major ficou pior do que
uma fera. Partiu a chávena, insultou toda a gente e foi queixar-se à polícia.
-
Quanto apostam vocês em que eu amanhã apareço ao major com o cão e que ele não
me diz nada? – desafiou o senhor Canavarro.
Os amigos apostaram dinheiro, bebidas
e ceias, e no dia seguinte o senhor Canavarro cumpria a promessa indo sentar-se
na mesa ao lado do major, levando o cão… e ganhando a aposta, porque o major nada
lhe disse… E sabe porquê? Porque o endiabrado senhor Canavarro pintara de preto
o cão branco do major… Ele bem olhava, desconfiado, para o cachorro… O animal parecia-lhe
o seu… as mesmas orelhas, o mesmo tamanho, o mesmo feitio… Mas se o dele era branco
e aquele era preto… O major ia enlouquecendo e os amigos do senhor Canavarro iam
rebentando à força de conterem o riso… E como esta, muitas…"
in
“Memórias de um chauffeur de táxi”
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