ARTHUR
SCHOPENAUER
(Polónia, 1788 - Alemanha, 1860)
Filósofo
***
AS VANTAGENS DE SER UM POBRE DIABO
Para aquele que não é nobre, mas dotado de algum
talento, ser um pobre-diabo é uma verdadeira vantagem e uma recomendação. Pois
o que cada um mais procura e aprecia, não apenas na simples conversação, mas sobretudo
no serviço público, é a inferioridade do outro.
Ora, só um pobre-diabo está convencido e compenetrado em grau suficiente da sua completa, profunda, decisiva, total inferioridade e da sua plena insignificância e ausência de valor, tal como exige o caso.
Apenas ele, portanto, inclina-se amiúde e por bastante tempo, e apenas a sua reverência atinge plenos noventa graus; apenas ele suporta tudo e ainda sorri; apenas ele conhece como obras-primas, em público, em voz alta ou em grandes caracteres, as inépcias literárias dos seus superiores ou dos homens influentes em geral; apenas ele sabe como mendigar; por conseguinte, apenas ele se pode tornar um iniciado, a tempo, portanto, na juventude, naquela verdade oculta que Goethe nos revelou nos seguintes termos:
Sobre a baixeza
Que ninguém se lamente:
Pois ela é a potência,
Não importa o que te digam.
Em contrapartida, quem já nasceu com uma fortuna que
lhe garanta a existência irá posicionar-se, na maioria das vezes, de modo
contestário: ele está habituado a caminhar de cabeça erguida.
Não
aprendeu aquelas artes da subserviência; talvez até se sirva de eventuais
talentos, cuja inadequação, diante do medíocre e servil, é o que deveria
compreender. É até mesmo capaz de notar a inferioridade daqueles situados acima
dele, e se, enfim, ocorrerem indignidades, torna-se recalcitrante e
desconfiado.
Mas não é assim que alguém se consegue impor no mundo; antes, talvez, possa ocorrer-lhe dizer como o atrevido Voltaire: Temos apenas dois dias para viver: não vale a pena passá-los arrastando-se aos pés de patifes desprezíveis.
Infelizmente, diga-se de passagem, patifes desprezíveis é um predicado para o qual, neste mundo, existe um número assustador de sujeitos.
in “Aforismos para a Sabedoria de Vida”
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