IRENE LISBOA
(Arruda dos Vinhos, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958)
Escritora, professora, poetisa
(Arruda dos Vinhos, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958)
Escritora, professora, poetisa
***
Solidão
Recortei duas gravuras de
um jornal inglês. São duas esculturas quase caricaturais. Em português, nós
chamar-lhe-íamos bonecos. Duas
figuras humanas em bloco, muito pouco desbastadas. Linhas rígidas, muito
definidas. Só o grosso das formas e um tipo de atitude. Mais atitude que forma,
ou pormenor.
Esta simplificação agrada-me.
Não vejo nela insuficiência, vejo sobriedade. Os escultores deram às suas
figuras três pancadas, mas todas elas certas. Não representam bem uma
obliteração do complexo; são o maciço, o global, o primário, mas espirituoso!
Síntese, em suma. Um plano sem arrebiques, em que os artistas assentaram
qualquer ideia que os preocupava.
Dá um resto de sol nas
árvores de Plainpalais. E vêm-me à ideia os versos de Olavo Bilac em que ele
pedia para não morrer assim, à vista de
um sol assim…
Ele chorava-se num dia de
Primavera. Aqueles seus versos para mim reflectem Primavera.
E hoje nesta cidade é
Outono. Mansidão, mansidão!
Os versos de Bilac
perderam já grande parte da sua força, do seu drama.
Por aquele rasgo de sol
morrente, que torna o verde murcho das árvores um verde luminoso, embora
triste, fui eu tocada de uma intuição crítica. Critiquei-me a mim e ao Olavo,
que tanto amei. Depreciei a sua poesia agitada, o seu espectáculo de uma morte
romântica, fantástica.
Olavo falava dos ninhos e
dos rosais, do sol e da vida nos olhos dela… Agonia demasiado tumultuosa. Poesia
do arrebatamento e do medo. O medo de perder? Talvez. Mas em todo o caso, poesia
muito exterior. É isso só que nela hoje me escandaliza. Aquela grinalda de evocações…
aquela sensibilidade cantada… Não me comovem já as generalidades patéticas.
Olavo, Olavo! Por um claro
de sol e por uma volta do meu espírito se empanou a tua formosa glória. E não foi
só por isso… É porque também já empalideceu em mim, sem culpa de ninguém, aquele
fogacho sensível que a tua poesia exuberante tinha o condão de atear. Nem tu já
és capaz de me mostrar o mundo talhado em rimas!
Genebra, 1930 e 1931.
in “Solidão”
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