MÁRIO SAA
(Caldas da Rainha, Portugal, 1893 — Ervedal, 1971)
Poeta,
ensaísta
***
Cursou
Árabe e Sânscrito. Dedicou-se a investigações eruditas com base nas ciências iniciáticas
e astrológicas. Poeta próximo do grupo do Orpheu,
dispersou a sua colaboração por várias revistas literárias.
in “Portugal Século XXI”
***
XÁCARA DAS MULHERES AMADAS
Quem
muitas mulheres tiver,
em
vez de uma amada esposa,
mais
se afirma e se repousa
para
amar sua mulher;
Quem
isto não entender...
em
cousas d'amor não ousa,
em
cousas d'amor não quer!
Quantas
mais, mais se descansa,
mais
a gente serve a todas;
quantas
mais forem as bodas,
quantos
mais os pares da dança,
menos
a dança nos cansa
O gosto d'andar nas rodas.
Que quantas mais, mais detido
a
cada uma per si;
nem
cansa tanto o que vi,
nem
fica o gosto partido;
ao
contrário, é acrescido
a
cada uma per si!
No
paladar de mudar
mais
se sente o gosto agudo:
que
amar nada ou amar tudo
é
estar pronto a muito amar;
o
enjoo vem de não estar
a
par do nada e do tudo.
Mais
facilmente se chega
pera
muitas que pera uma;
e
a razão é porque, em suma,
se
esta razão me não cega,
quem
quer que muitas adrega
é
como tendo...nenhuma!
Com
muitas, descanso vem,
faz
o desejo acrescido:
que
é o mais apetecido
aquilo
que se não tem;
e
o apetite é o bem;
e
em saciá-lo é perdido.
Também
a mulher que tem
seu
marido repartido
é
mais gostosa do bem
que advém de seu marido!
Tão
gostosa e recolhida,
tão
pronta e tão conformada,
quanto
o gosto é não ter nada;
porque
o gosto é ser servida
e
não o estar contentada.
O
gosto é coisa corrente,
e
quem o tem já não sente
o
gosto dessa corrida,
que
tê-lo, é cousa ... jazente...
que
tê-lo , é cousa... perdida!
Ora,
pois, nesta jornada
não
vi nada mais de amar
que
ter muito por chegar
e
cousa alguma chegada;
não
vi nada mais de ter...
que
ter muito que perder...
e cousa alguma ganhada!
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