segunda-feira, 19 de maio de 2014

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão

 
 
 

 
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão

 

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do meu próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
o mistério das palavras maduras
ou a brancura de um amor que nos prendia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até ouvir
o meu sangue jorrar na voz das fontes.

 

Eugénio de Andrade, In “As Mãos e os Frutos”

 

 

 

 


2 comentários:

  1. Adoro o Eugénio de Andrade e este poema lembrou-me outro poema do Gomes Ferreira ,outro poeta de eleição que eu adoro:

    A minha solidão
    não é uma invenção
    para enfeitar noites estreladas...

    ...Mas este querer arrancar a própria sombra do chão
    e ir com ela pelas ruas de mãos dadas.

    ...Mas este sufocar entre coisas mortas
    e pedras de frio
    onde nem sequer há portas
    para o Calafrio.

    ...Mas este rir-me de repente
    no poço das noites amarelas...
    - única chama consciente
    com boca nas estrelas.

    ...Mas este eterno Só-Um
    (mesmo quando me queima a pele o teu suor)
    - sem carne em comum
    com o mundo em redor.

    ...Mas este haver entre mim e a vida
    sempre uma sombra que me impede
    de gozar na boca ressequida
    o sabor da própria sede.

    ...Mas este sonho indeciso
    de querer salvar o mundo
    - e descobrir afinal que não piso
    o mesmo chão do pobre e do vagabundo.

    ...Mas este saber que tudo me repele
    no vento vestido de areia...
    E até, quando a toco, a própria pele
    me parece alheia.

    Não. A minha solidão
    não é uma invenção
    para enfeitar o céu estrelado...

    ...mas este deitar-me de súbito a chorar no chão
    e agarrar a terra para sentir um Corpo Vivo a meu lado.

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