Não Deixes Que Metam o Nariz na Tua
Vida
Quando falas ou simulas falar de ti próprio e amalgamas
passado, presente, futuro, há sempre os que perguntam se o que contaste é
verdade ou não. Nunca indagam se vai ser verdade.
O que lhes interessa é
saber, com a curiosidade dos intriguistas, se o que se passou (ou parece ter-se
passado) se passou mesmo contigo. É um erro de gente vulgar. Parasitários
ou não, qualquer invenção ou patranha, qualquer «mentir verdadeiro» é acepipe
biográfico, é pretexto para te enfileirarem na nulidade biográfica que é a
deles próprios e tecerem incansavelmente histórias a teu respeito.
Não te deixes seduzir pelo gosto da conversa. Essa pequena
gente não merece a mais pequena atenção, nem tu precisas de espectadores para o
salutar exercício diário de falar por falar.
(...) Não deixes que metam o nariz na tua vida. Caso contrário, vais ficar
cheio de gente, com a sua vida escassamente interessante. O tombo da vida
vulgar já foi feito por escritores como Camilo. E tenho a impressão de que, no
essencial, a vida vulgar continua a mesma.
Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a
discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras. É outro exercício
salutar.
Alexandre O'Neill
i(Lisboa, Portugal, 1924 – 1986), in "Uma Coisa em Forma de Assim".
Sem comentários:
Enviar um comentário