quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ouve, Meu Anjo

 
 
 
 
 

Ouve, Meu Anjo

 
Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?

Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas aí!
A carne do assassino
É como a do virtuoso.

Numa atitude elegante,
Misterioso, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.

Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…

Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar -
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

 

António Botto, in “Canções”

 
 

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