Rainer Maria Rilke (Praga, República Checa, 1875 – Montreux, Suiça, 1927).
Reconhecido como um dos maiores poetas
da língua alemã do século XX, a sua obra foi influenciada pelo Expressionismo.
Palavras de Rainer Maria Rilke :
“Na vida não há aulas para
principiantes, exigem-nos logo o mais difícil.”
Carta a um
jovem poeta
Prezadíssimo
Senhor,
Sua carta
alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável
confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da
feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica.
Não
há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do - que palavras de
crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. (…) Menos
suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, -
seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.
Depois de
feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria
somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com maior
clareza no último poema, "Minha Alma". (…)
Pergunta se os
seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras
pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se
quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem - usando
da licença que me deu de aconselhá-lo peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor
está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento.
Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, ninguém.
Não há senão
um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda
escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua
alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima
de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: “Sou mesmo
forçado a escrever?" (…)
Não escreva
poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas
as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se
produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas
brilhantes. (…)
Utilize, para
se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos
de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a
acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as
suas riquezas.
Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e
indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem
todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua
infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? (…)
Mas talvez se
dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o
senhor de renunciar a se tornar poeta. (…)
Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente.
Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança.
Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um
pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.
Com todo o
devotamento e toda a simpatia,
Rainer Maria
Rilke
Rainer Maria Rilke, in “Cartas a um jovem poeta”
Tradução: Cecília
Meireles
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