quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS – A Riqueza e a Fortuna

 
 
 
 
 
 
 

A Riqueza e a Fortuna
 
 

Um pobre homem estava a trabalhar no mato, a cortar lenha para ir vender pela vila e assim sustentar mulher e filhos. De repente viu ao pé de si dois sujeitos, bem vestidos, que lhe disseram:
Nós somos a Fortuna e a Riqueza. Vimos-te ajudar.
Cada um queria acudir de preferência ao pobre homem, e altercavam entre si. Dizia a Riqueza:
Eu só por mim o faço feliz; sendo ele rico tem tudo.
Pois mesmo sem ser rico, eu dando-lhe fortuna, faço-lhe maior benefício. Senão experimentemos.
A Riqueza virou-se para o pobre do homem e disse:
Toma lá este cruzado novo; amanhã compra carne, pão e vinho e não trabalhes nesse dia.
O homem foi-se embora contentíssimo para casa; no outro dia foi ao açougue. Deu ao magarefe o dinheiro adiantado, mas como estava um grande barulho de gente no açougue, o carniceiro negou que lhe tinha dado o dinheiro, e o pobre homem resignou-se e foi outra vez trabalhar para o mato.
A Riqueza tornou a chegar-se ao pé dele, e quando soube de que lhe servira o cruzado novo, ficou zangada e deu-lhe uma bolsa cheia de dobrões. O homem voltou para casa; mas como a bolsa era de marroquim vermelho, uma ave de rapina caiu de repente sobre ele e arrebatou nas garras o saco, e voou. O homem contou a sua tristeza à mulher, e no outro dia foi trabalhar para o mato. Tornou-lhe a aparecer a Riqueza; ficou mais desesperada quando soube do acontecido à bolsa dos dobrões:
Pois desta vez dou-te um saco de peças tão grande que não podes com ele; mas aqui tens um cavalo, que to vai levar a casa.
 
O homem agradeceu aquele favor da Riqueza e pôs-se a caminho para casa. Quando ia por um atalho, estava num campo uma égua, e o cavalo botou a fugir atrás dela de tal forma que o homem não foi capaz de o agarrar, e por mais que andou não pôde achar o cavalo.
Quando a Riqueza não esperava tornar mais a encontrar o homem no mato, foi ao sítio costumado com a Fortuna, e qual não foi o seu pasmo quando viu o pobre do homem a trabalhar como dantes.
Disse então a Fortuna:
Agora é a minha vez de o fazer feliz; vou-lhe dar apenas um vintém. Olhe lá, ó homem, tome esse vintém, e assim que chegar à vila compre a primeira cousa que lhe aparecer.
O homem em caminho para casa encontrou quem lhe ofereceu uma vara de andar à azeitona pelo preço de um vintém, e comprou-a. No outro dia foi para a apanha, e quando ia varejar uma oliveira, caiu-lhe de um galho uma bolsa de marroquim cheia de dobrões. Agarrou nela e levou-a para casa, e contou à mulher donde suspeitava que lhe vinha aquele tesouro.
A mulher combinou ir fazer uma romaria, e puseram-se a caminho. Quando chegaram a um escampado acharam pegadas de cavalo, foram andando por elas e chegaram a um sítio onde estava um cavalo deitado ainda com um saco cheio de peças. Voltaram logo para casa muito contentes, e mudaram de vida, que até àquele tempo tinha sido amargurada pelos poucos ganhos e muitos filhos.
A Riqueza e a Fortuna foram ao sítio onde o homem costumava cortar lenha e esperaram por ele bastante tempo. Por fim a Fortuna declarou-se vencedora, dizendo:
Que te dizia eu? Não é com o muito dinheiro que se é feliz.
 
 
Teófilo Braga, in “Contos Tradicionais do Povo Português”
Imagem: pintura de Eduardo Afonso Viana (Lisboa, Portugal, 1881 -1967).

 
 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...