HENRY MURGER
(Paris, França, 1822 - 1861)
Romancista e poeta
A BALADA DO DESESPERADO
- Quem bate à porta a tais horas?
- Abre, sou eu. — Quem tu és?
Não se entra na minha casa
Tão tarde assim, bem o vês.
- Abre. — Teu nome? — Há geada,
Abre. — Teu nome? — És tardio!
- Qual é teu nome? — Ai, na cova
Um morto não tem mais frio.
Eu caminhei todo o dia
Do sul ao setentrião,
Ao pé da tua lareira
Quero sentar-me. — Inda não!
Diz teu nome... — Eu sou a glória
E aspiro à posteridade...
- Passa fantasma irrisório...
- Ó dá-me hospitalidade!
Eu sou o amor e a esperança
As duas porções de Deus...
- Segue a estrada... A minha amante
Há muito me disse adeus!
- Eu sou a arte e a poesia,
Proscreveram-me... Abre! — Não!
Já não canto minha amante,
Nem sei que nome lhe dão!...
- Abre, que eu sou a riqueza,
E trago do ouro o fulgor,
Posso dar-te a tua amante...
- Podes dar-me o seu amor?
- Sou o poder, tenho a púrpura.
Abre a porta! — Anelo vão!
Podes trazer-me a existência
Daqueles que já não são?!
- Se tu não abres teus lares
Senão a quem diz seu nome
Sou a Morte! Trago alívio
Pra cada dor que consome!
Podes ver, trago na cinta
Ruidosas chaves fatais...
Abrigarei teu sepulcro
Do insulto dos animais.
- Entra, estrangeira funérea...
Perdoa a mendicidade,
Porque é no lar da miséria
Que tens hospitalidade.
Entra; cansei-me da vida
Que nada tem que me dar...
Há muito eu tinha desejos
(Não força) de me matar!
Entra no lar, bebe e come,
Dorme, e quando despertares,
Para pagar tua conta
Hás-de levar-me aos teus lares.
Eu te esperava, eu te sigo...
Vamos... arrasta-me... assim...
Mas deixa o meu cão na terra
Pra eu ter quem chore por mim!
in “Les nuits d´hiver,
"Petits poèmes"
Tradução: Castro
Alves