NÓS, OS DE “ORPHEU”
Anunciou
Almada Negreiros, no segundo número de “Sudoeste”, que neste terceiro se inseriria
colaboração dos que foram de Orpheu.
Cumpre-se.
Procurámos
coordenar, Almada e eu, produções inéditas de quantos figuraram literáriamente
na revista extinta e inextinguível a que ambos pertencemos. Excluídos, por
motivos de estreiteza de tempo e largueza de distância, os dois colaboradores
brasileiros – Ronald de Carvalho e Eduardo Guimarães – conseguimos que
estivessem presentes todos os outros, com duas excepções, uma delas atenuada
com o sacrifício do ineditismo.
De
Ângelo Lima, como nada descobríssemos de inédito, decidimos publicar aquele
extraordinário soneto – um dos maiores da língua portuguesa – em que o poeta
descreve a sua entrada na loucura, em que longos anos viveu e em que morreu. O
soneto, se não é inédito, está contudo esquecido. Publicando-o, não deixamos
de, saudosamente, fazer lembrar quem, não sendo nosso, todavia se tornou nosso.
Nada
porém foi possível incluir de Côrtes-Rodrigues que é directamente de Orpheu, e os poemas de cuja
personalidade inventada, Violante de Cysneiros, são uma maravilha subtil de criação
dramática. Neste caso a dificuldade foi, como no dos brasileiros, geográfica:
estas produções foram coordenadas à pressa, Côrtes-Rodrigues vive nos Açores.
Aqui lhe deixamos, num abraço, a expressão da nossa camaradagem de sempre: e o
perpetrador destas linhas, velho amigo seu, acrescenta a ela o desejo de que
Côrtes-Rodrigues se não embrenha demasiado, como de há tempos se vai
embrenhando, no catolicismo campestre, pelo que facilmente se aumenta o número
de vítimas literárias da pieguice fruste e asiática de S. Francisco de Assis,
um dos mais venenosos e traiçoeiros inimigos da mentalidade ocidental.
Quanto
ao mais, nada mais. Cá estamos sempre.
Orpheu acabou.
Orpheu continua
FERNANDO
PESSOA (Lisboa,
Portugal, 1888 – 1935), poeta, escritor, tradutor.
in
“Revista Sudoeste” – (1935) – dirigida por Almada Negreiros.
Imagem:
Fernando Pessoa – pintura
de JÚLIO POMAR (Lisboa, Portugal, 1926), artista plástico/pintor modernista.
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