PONTO A PONTO
Enquanto
três camelos invadiam o aeroporto do Cairo e o pessoal de terra loucamente
tentava apanhar os animais
eu
limpava as minhas unhas
quando
acabava de ser identificada a casa onde viveu Miguel Cervantes, em Alcalá de
Henares
eu
saía para o campo com Rufino Tamayo
enquanto
um português vivia trinta anos com uma bala alojada num pulmão
chegava eu ao conhecimento das coisas
Agora
já não há braseiros e os destroços foram removidos
os
animais espantaram-se
e
como se isso não fosse desde já um admirável e surpreendente esforço na nossa
acção de escritores
afogado num poço canta um homem
ORADOUR-SUR-GLANE
gritos
brancos gritos pardos gritos pretos
não mais haverá braseiros - os destroços foram
removidos
E
não esquecendo o esforço daquele outro
que
para aquecer o ambiente apareceu morto
e não enviou convite nem notícia a ninguém
Mundo mundo vasto mundo
(Carlos Drummond de Andrade)
os conspiradores conspiram
os transpiradores transpiram
os transformadores aspiram
e
Deus acolhe tudo num grande cesto especial
A
lei da gravidade dos teus olhos, mãe,
a
lei da gravidade... Aqui está: é um poeta
num
barco a gasolina não não não é um operário
com
um martelo na mão muito depressa
os
automóveis passam o rapazio grita
o
criado serve (se não servisse, morria)
os
olhos em vão rebentam a pessoa levantou-se
tantas crianças meu Deus lá vai o meu amor
Também ele passou trezentas vezes a
rampa
-
que estranhas coisas passaram! Os poetas é que sabem
Construção
construção
progresso no transporte
ORADOUR-SUR-GLANE
Sou
viens-toi
REMEMBER
Janeiro, 1953
in “Revista Árvore” - 1953
MÁRIO
CESARINY, poeta e pintor surrealista (Lisboa, Portugal, 1923 –
2006).
ANTÓNIO
MARIA LISBOA, poeta (Lisboa, Portugal, 1928 – 1953)
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