sábado, 15 de abril de 2017

TOSCANINI E HITLER





TOSCANINI E HITLER

Friedelind Wagner, neta de Ricardo Wagner, é autora de umas recordações que estão sendo publicadas nas «Nouvelles Littéraires». Tem sobretudo interesse a partir da chegada ao poder de Hitler, do qual a mãe de Friedelind (viúva de Siegfried Wagner e, diga-se passagem, inglesa pelo nascimento) era fanática, desde o «putch» de Munich.

As leis contra os judeus tiveram, como não podia deixar de ser, as suas consequências para as temporadas wagnerianas de Bayreuth. 

Em 1933, a mãe de Friedelind conseguira de Hitler autorização para que os artistas judeus, que já estavam contratados para a temporada seguinte pudessem cantar. Bayreuth, templo do deus Wagner, podia ter destes privilégios – pelo menos em 1933. Mas nem assim as coisas correram bem: Toscanini, que não é judeu telegrafara dizendo que não podia voltar a Bayreuth depois do que se fizera aos judeus. E então, além dum telegrama, Hitler decide mandar uma carta pessoal a Toscanini. Damos a palavra a Friedelind Wagner:

«Este telegrama foi seguido por uma carta pessoal de Hitler à qual ele imaginava que o maestro não resistiria. Brückner veio lê-la a minha mãe antes de fazer seguir. Nela se dizia que ele (Hitler) não tivera nunca ocasião de ouvir o grande chefe de orquestra, mas que nesse caso, na sua qualidade de Chanceler do Reich, se sentiria particularmente feliz em receber Toscanini em Bayreuth.

«Quando esta leitura terminou, não pude deixar de exprimir a minha opinião:

«- Seria uma loucura mandar uma carta dessas! É a maneira mais certa de afastar Toscanini! – protestei.- Se querem realmente que ele venha, não a mandem, porque ele não vem a Bayreuth por causa de Hitler, mas por causa de Wagner: vai sem dúvida ficar furioso.

Minha mãe lançava-me olhares chamejantes, e a sua cólera estalou. Em voz irritada, pediu-me que lhe deixasse a direcção dos festivais até o dia em que eu desse provas de saber ajuizar melhor. Eu mordia os lábios e sorria. Não respondi, sabendo muito bem que o meu silêncio a irritaria ainda mais – mas tinha razão. A resposta de Toscanini veio na volta do correio, e era tão violenta que, depois, Hitler corava sempre que o nome do maestro era pronunciado diante dele».

Hitler corava em 1933! Vê-se bem que estava no início da sua carreira…


in “Mundo Literário” – Semanário de crítica e informação – 1947


Imagem: Arturo Toscanini



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