MATILDE ROSA ARAÚJO
(Lisboa,
Portugal,1921 – 2010)
Escritora
OUTRO DIA
Uma
garotinha suja, como um pingo de água dum beiral, pôs-se ao pé de mim:
-
Minha senhora leve estes garfinhos para a sua menina...
(Era
um talherzinho de plástico cor de rosa num cartão vermelho).
-
Eu não tenho menina nenhuma... (e ela não podia entender o abandono das minhas
palavras).
-
Então leve este balão para o seu menino!
-
Eu não tenho menino...
- Não
tem?
-
Não. Porquê? Achas que tenho?
- Acho. A senhora podia
ser minha mãe...
Podia ser minha mãe! Um
balão amarelo na mão e, na outra, um cartãozinho vermelho com um talher cor-de-rosa.
Coisas
com que não brinca. E eu ainda me lembro, de quando era pequena, do encanto que
tinham para mim uns talherzinhos assim, de metal, presos por um cordel.
-
Crianças industriadas… houve quem dissesse. Será esta.
Serão
muitas. Não acredito, que sei de cor os olhos das crianças.
Mas
que seja. Que sejam muitas. A culpa é nossa que as deixamos assim, à procura de
uma maternidade que lhes devemos inteira. E o pior de tudo é que grande parte
das crianças com pai e mãe precisam dela.
-
Podia ser minha mãe!
Há poemas que nascem assim
como este, trágicos e imaculados. E tão curtos que ninguém dá por eles.
in “Árvore - Folhas de Poesia”
– 1951
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