PAUL ÉLUARD
(França,
1895 – 1952)
Poeta
A
POESIA SERÁ FEITA POR TODOS...
Os verdadeiros poetas
jamais acreditaram que a poesia lhes pertencesse exclusivamente. Na boca dos
homens, a palavra jamais se extinguiu: as palavras, os cantos, os gritos
sucedem-se sem fim, cruzam-se, chocam-se e confundem-se. O impulso da
função-linguagem foi levado ao exagero, atingiu a exuberância e a incoerência.
As palavras dizem o mundo e dizem o homem, o que o homem viu e sente, o que
existe, o que existiu, o que existirá, a antiguidade do tempo, o passado, o
futuro da idade e do momento, o voluntário e o involuntário, o medo e o desejo
do que não existe, do que vai existir. As palavras destroem, as palavras
predizem, encandeadas ou sem ordem - é inútil negá-las. Elas participam todas na
elaboração da Verdade.
Os objectos, os factos, as
ideias que elas descrevem podem extinguir-se por falta de vigor, mas logo serão
substituídos por outros objectos, factos e ideias que as próprias palavras
acidentalmente suscitarem realizando assim a sua inteira evolução.
Os homens devoraram um
dicionário e o que eles nomeiam existe. O inominável, o fim de tudo só começa
na impensável fronteira da morte. Pouco importa saber quem fala e pouco importa
mesmo o que diz. A linguagem é comum a todos os homens e não são as diferenças
de línguas, por mais prejudiciais que se nos afigurem, que arriscam comprometer
gravemente a unidade humana, mas muito mais esse interdito eternamente
formulado, em nome da razão prática, contra a liberdade absoluta da palavra.
Passam por loucos os que ensinam que há mil maneiras de ver um objecto, de o
descrever, mil maneiras de dizer o seu amor, a sua alegria e a sua dor, mil
maneiras de nos entendermos sem partir sequer um ramo da árvore da vida. Inúteis,
loucos, malditos os que revelam, reproduzem, interpretam a humilde voz que se
queixa ou que canta na multidão, sem saber que ela é sublime. Ah! não, a poesia
pessoal não morreu ainda.
Mas, pelo menos, nós
compreendemos que nada pode romper o frágil fio da poesia impessoal. Nós
compreendemos, sem duvidar um instante desta verdade que triunfará, que
inúmeras coisas podem ser «todo um poema».
«Todo um poema», já não é
apenas um objecto tosco ou a excentricidade duma elegante presumida, mas o que
é dado ao poeta para simular, reproduzir, inventar, se ele crê que do mundo que
lhe é imposto nascerá o universo que ele sonha. Não há nada de raro nem de divino
no seu trabalho banal... O poeta, na mira das obscuras notícias do mundo, restituir-nos-á
as delícias da mais pura linguagem, a do homem da rua e do sábio, da mulher, da
criança e do louco.
Se o quiséssemos, só haveria maravilhas. Escutemo-las sem
reflectir e respondamos, pois seremos entendidos. Se não, apenas seremos
espelhos partidos e, desejosos de rectificar as aparências, poetizaremos,
perderemos a primeira e elementar vista das coisas, neste espaço e tempo que
são nossos.
Se quiséssemos, nada nos
seria impossível. O mais fraco de nós, como o mais rico, tem a possibilidade de
nos oferecer com o trabalho das suas mãos e a confiança dos seus olhos um
inestimável tesouro, os seus sonhos e a sua realidade, que razão, bom senso,
maldade, não chegam a destruir.
A poesia involuntária, por mais banal,
imperfeita e grosseira que possa ser, é feita das relações entre a vida e o mundo,
entre o amor e a necessidade. Ela produz a nossa emoção e dá ao nosso sangue a
ligeireza do fogo. Todo o homem é irmão de Prometeu.
Nós não temos uma
inteligência particular, nós somos seres morais e situamo-nos na multidão.
in “Árvore – folhas de
poesia” – revista literária publicada em Lisboa, entre 1951 e 1953.
Imagem: retrato de Paul Éluard por Salvador Dalí
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