VINICIUS DE MORAES
(Rio de Janeiro, Brasil, 1913 - 1980)
Poeta,
cantor e compositor
***
Pátria Minha
A
minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura
e vontade de chorar; uma criança dormindo
É
minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo
dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se
me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não
sei. De fato, não sei
Como,
por que e quando a minha pátria
Mas
sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que
elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade
de beijar os olhos de minha pátria
De
niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade
de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De
minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E
sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque
te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria,
eu semente que nasci do vento
Eu
que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contacto com a dor do tempo, eu elemento
De
ligação entre a acção e o pensamento
Eu
fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te
no entanto em mim como um gemido
De
flor; tenho-te como um amor morrido
A
quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem
dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta
sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah,
pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando
tudo passou a ser infinito e nada terra
E
eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos
me surpreenderam parado no campo sem luz
À
espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte
de mel, bicho triste, pátria minha
Amada,
idolatrada, salve, salve!
Que
mais doce esperança acorrentada
O
não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero
rever-te, pátria minha, e para
Rever-te
me esqueci de tudo
Fui
cego, estropiado, surdo, mudo
Vi
minha humilde morte cara a cara
Rasguei
poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria
minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro
não; a minha pátria é desolação
De
caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E
praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que
bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais
do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma
quentura, um querer bem, um bem
Um
libertas quae sera tamem
Que
um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta
que serás também”
E repito!
Ponho
no vento o ouvido e escuto a brisa
Que
brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria
minha, e perfuma o teu chão…
Que
vontade de adormecer-me
Entre
teus doces montes, pátria minha
Atento
à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não
te direi o nome, pátria minha
Teu
nome é pátria amada, é patriazinha
Não
rima com mãe gentil
Vives
em mim como uma filha, que és
Uma
ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora
chamarei a amiga cotovia
E
pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que
peça ao sabiá
Para
levar-te presto este avigrama:
Pátria minha, saudades de quem te ama…