Retrato do Povo de Lisboa
É da torre mais alta do meu pranto
que eu canto este meu sangue este meu povo.
Dessa torre maior em que apenas sou grande
por me cantar de novo.
Cantar como quem despe a ganga da tristeza
e põe a nu a espádua da saudade
chama que nasce e cresce e morre acesa
em plena liberdade.
É da voz do meu povo uma criança
seminua nas docas de Lisboa
que eu ganho a minha voz
caldo verde sem esperança
laranja de humildade
amarga lança
até que a voz me doa.
Mas nunca se dói só quem a cantar mágoa
dói-me o Tejo vazio dói-me a miséria
apunhalada na garganta.
Dói-me o sangue vencido a nódoa negra
punhada no meu canto.
Ary dos Santos, in “Obra Poética”
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