segunda-feira, 30 de novembro de 2015

FERNANDO PESSOA - É o que a Gente leva desta Vida

 
 
 
 
 
 

Fernando Pessoa (Lisboa, Portugal, 1888 – 1935).

É uma das figuras mais singulares e complexas da literatura portuguesa.

 
 
Palavras de Fernando Pessoa:

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.”

 

É o que a Gente leva desta Vida

A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.

Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes - não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.

Vislumbres de ter a ilusão - tanto, e não mais, tem o maior dos homens.

Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.

Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»... Leva onde? leva para onde? leva para quê?
Seria triste despertá-los da sombra com uma pergunta como esta... Fala assim um materialista, porque todo o homem que fala assim é, ainda que subconscientemente, materialista. O que é que ele pensa levar da vida, e de que maneira? Para onde leva as costeletas de porco e o vinho tinto e a rapariga casual? Para que céu em que não crê? Para que terra para onde não leva senão a podridão que toda a sua vida foi de latente?
Não conheço frase mais trágica nem mais plenamente reveladora da humanidade humana. Assim diriam as plantas se soubessem conhecer que gozam do sol.
Assim diriam dos seus prazeres sonâmbulos os bichos inferiores ao homem na expressão de si mesmos. E, quem sabe, eu que falo, se, ao escrever estas palavras numa vaga impressão de que poderão durar, não acho também que a memória de as ter escrito é o que eu «levo desta vida». E, como o inútil cadáver do vulgar à terra comum, baixa ao esquecimento comum o cadáver igualmente inútil da minha prosa feita a atender. As costeletas de porco, o vinho, a rapariga do outro? Para que troço eu deles?

Irmãos na comum insciência, modos diferentes do mesmo sangue, formas diversas da mesma herança - qual de nós poderá renegar o outro? Renega-se a mulher mas não a mãe, não o pai, não o irmão.

 

Fernando Pessoa, in “O Livro do Desassossego”

Imagem: pintura de Gustavo Fernandes (Lisboa, Portugal, 1964).

 

domingo, 29 de novembro de 2015

CONCEPCIÓN ARENAL – Filantropa e escritora

 
 
 
 
 
 

Concepción Arenal (Galiza, Espanha, 1820 –1893).

Fundou a revista La Voz de la Caridad, na qual colaborou durante 14 anos.
Foi visitadora-geral das Prisões mais de 30 anos.
Apresentou, em 1860, à Academia das Ciências Morais e Políticas de Madrid, a memória que intitulou: A Beneficência, a Filantropia e a Caridade, a qual foi premiada. Deixou muita colaboração no Bulletin de la Société Général des Prisions.

O criminalista Roeder inclui os estudos penitenciários de Arenal entre os melhores de quantos se têm publicado na Europa.

Exercia grande influência sobre os criminosos mais rebeldes, depressa os levando ao arrependimento.

Conta-se que, um dia, foi a uma prisão, na sua missão de visitadora, na qual se encontrava um terrível criminoso. O carcereiro pretendeu dissuadi-la, informando que se tratava de um homem perigosíssimo, do qual ninguém se atrevia a aproximar-se. A senhora Arenal insistiu, porém, em entrar na cela do preso.
Quiseram dar-lhe uma escolta; mas ela não aceitou e entrou sozinha, alegando que não queria irritá-lo com a presença de homens armados, pois o que desejava era consola-lo e salvá-lo. Minutos depois o carcereiro, como ouvisse gemidos vindos do interior da cela, ficou apavorado, e julgando que a visitadora teria sido vítima dos instintos ferinos do preso, correu a chamar gente para irem salvar a pobre senhora.
Entraram todos de roldão na cela e ficaram assombrados com o que viram: o terrível assassino, que agredia toda a gente e que por todos era temido, pelos seus maus instintos, estava de joelhos, junto da senhora Arenal, com o rosto entre as mãos, e soluçando convulsivamente.
Depois da sua morte, levantaram-lhe cinco estátuas.

 

Concepción Arenal

 
Palavras de Concepción Arenal:

“Quanto mais dividimos os obstáculos, mais fácil é vencê-los.”

 
 

sábado, 28 de novembro de 2015

FAGUNDES VARELA – A Flor do Maracujá

 
 
 
 
 

Fagundes Varela (São João Marcos, Brasil, 1841 – Niterói, Brasil, 1875).
É um dos nomes mais importantes do Romantismo brasileiro e Patrono da cadeira nº 11 da Academia Brasileira de Letras.
Publicou o primeiro livro de poesia, Nocturnas, em 1861.
A sua poesia aborda temas sociais e políticos, assim como a solidão, a angústia, a desilusão.

 
 
Palavras de Fagundes Varela:

“A mais tremenda das armas. Pior que a durindana. Atendei, meus bons amigos: Se apelida: - a língua humana!”

 


A Flor do Maracujá
 
Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!
 
Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas do sereno
Nas folhas de gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!
 
 
Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!
 
Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!
 
Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová!
Pela lança ensanguentada
Da flor do maracujá!
 
Por tudo o que o céu revela!
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está!...
Guarda contigo esse emblema
Da flor do maracujá!
 

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!
 
Fagundes Varela, in “Cantos Meridionais”
 
 
 

 


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

CONDESSA DE SÉGUR - Os Desastres de Sofia

 
 
 
 
 
 

Condessa de Ségur (São Petersburgo, Rússia, 1799 – Paris, França, 1874).

É um dos nomes consagrados da literatura infantil e juvenil do século XIX.

As suas obras foram traduzidas para numerosas línguas, incluindo a portuguesa.

Os Desastres de Sofia é o primeiro livro de uma trilogia, seguindo-se As Meninas Exemplares e As Férias.

 

 
Palavras de Condessa de Ségur:

A inveja é tão inseparável do merecimento, como a sombra o é do corpo que projecta.”

 

 
Os Desastres de Sofia (excerto)

 
«Dizes-me, muitas vezes, querida filha: “Oh! Avozinha, sou tão sua amiga! A avó é tão boa!” A avó não foi sempre boa; corrigiu-se, o que acontece a muitas crianças endiabradas.
Aqui vais encontrar histórias verdadeiras de uma menina que eu conheci quando era pequena. Tinha mau génio, e tornou-se meiga; era gulosa, e tornou-se comedida; era mentirosa, e nunca mais mentiu; era ladra, e fez-se honesta; numa palavra, era má, e fez-se boa.
A tua avó procurou fazer o mesmo. Façam como ela. Será fácil, meus queridos, uma vez que não têm os defeitos de Sofia.»

 
Condessa de Ségur

 

 

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

WILLIAM SHAKESPEARE - Não diga o meu espelho que envelheço

 
 




William Shakespeare (Reino Unido, 1504 – 1616)

Foi dramaturgo e poeta.

 

Palavras de William Shakespeare:
“É melhor ser rei de teu silêncio do que escravo de tuas palavras.”

 

Não diga o meu espelho que envelheço

 

Não diga o meu espelho que envelheço,

se a juventude e tu têm igual data,

mas se os sulcos do tempo em ti conheço

então devo expiar no que me mata.

Tanta beleza te recobre e deu

tais galas a vestir a meu coração,

que vive no teu peito e o teu no meu.

Mais velho do que tu serei então?

Portanto, meu amor, cuida de ti

como eu, não por mim, por ti somente

te cuido o coração, que guardo aqui

como à criança a ama diligente.

Não contes com o teu se o meu morrer.

Deste-me o teu e o não vou devolver.

 

William Shakespeare, in "Sonetos "

Imagem: pintura de Ben Nicholson (Reino Unido, 1894 – 1982).

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

GIL VICENTE - Epitáfio

 
 
 
 
 
 

Gil Vicente (Portugal,1465-1537).

Foi dramaturgo e poeta.
 
 
Epitáfio
 
 
O gram juyzo esperando
Jaço aqui nesta morada,
Também da vida cansada
Descansando.
 
Pregunta-me quem fuy eu,
Atenta bem para mi,
Porque tal fuy com’a ti
E tal hás de ser com’eu.
E pois tudo isto vem,
Ó leitor, de meu conselho,
Toma-me por teu espelho
Olha-me e olha-te bem.
 
 
Imagem: Epitáfio da sepultura de Gil Vicente.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

CARTA DE LIEV TOLSTOY A SUA ESPOSA SOFYA TOLSTOY

 
 
 
 
 

Carta de Liev Tolstoy a sua esposa Sofya Tolstoy

 
Cansado da vida repleta de luxo e riqueza, Tolstói decidiu fugir de casa, aos 82 anos, deixando Sofya e seus oito filhos, para viver uma vida simples, feliz, longe de todos. Antes de partir, deixou escrita uma carta para a esposa, Sofya Tolstoy :      
 
Yasnaya Polyana, 28 de outubro de 1910.
 
Minha partida a afligirá. Desculpe, mas espero que me compreendam e confiem em mim. Eu não poderia fazer o contrário. A minha convivência em casa tornou-se insuportável. Junto com tudo o resto, não posso continuar a viver em condições de luxo em torno de mim, e fazer o que eu costumo fazer na minha velhice, farei daqui em diante : ficar longe da vida mundana e viver em paz e em reclusão nos últimos dias de minha existência.
Por favor, se você sabe aonde eu estou, não vá atrás de mim. Minha decisão já está tomada, se eu lhe avisasse, só agravaria a situação.
 

Eu agradeço sua vida honesta de 48 anos ao meu lado e peço-lhe que me perdoe por tudo o que fiz de injusto com você, assim como eu te perdôo de todo o meu coração, porque você poderia estar comigo. Eu aconselho que você se acostume à nova situação em que você está depois da minha partida, e não tenha ressentimentos contra mim.
Se você quiser me dizer alguma coisa, basta dizer a Sasha, ela vai saber onde estou e eu vou encaminhar todas as informações necessárias; dizer onde estou não posso, portanto, ela me prometeu que não iria contar a ninguém.
 
Liev Tolstoy
Guarde as minhas coisas e manuscritos e envie-os para mim, eu já instruí Sasha.
Imagem: fotografia do casal Tolstoy

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...