Ilse Losa
(Hanôver, Alemanha,1913 - Porto, Portugal, 2006).
De
origem judaica, abandonou o seu país em 1930, devido às ameaças da Gestapo de a
enviarem para um campo de concentração. Assistiu ao holocausto nazi.
Depois da sua estadia em Inglaterra,
veio para Portugal em 1934, fixando residência na cidade do Porto, onde casou
com um português, adquirindo a nacionalidade portuguesa.
Em 1943, publicou o seu primeiro livro, O Mundo em que vivi, onde relata as suas
memórias das perseguições aos judeus.
Palavras de Ilse Losa:
"O papel é amigo paciente, não nos olha
desconfiado, não nos interrompe com perguntas; pelo contrário, estimula-nos,
convida-nos a desabafar. E assim desejos, queixumes e sonhos saem intactos,
redondos, para depois crescerem e enriquecerem-se de alegria ou de melancolia
até ganharem esse inexplicável poder de comunicação.
“O Mundo em que Vivi”: (excerto)
“O
primeiro dia da escola. A saca às costas, caminhei ao lado da minha mãe, cheia
de curiosidade e de receios.
O
Sr. Brand, o professor, distribuía sorrisos animadores aos meninos, que o
fitavam com desconfiança. A barba grisalha e o colarinho engomado davam lhe um
ar de austeridade, mas os olhos alegres protestavam contra tal impressão.
Começou
por nos falar, e doseava serenidade com humor para afugentar os nossos medos.
De
todas as escolas por que passei, a de que verdadeiramente gostei foi a escola
primária.
Quando
o Sr. Brand tomou nota do meu nome ninguém se virou para mim com sorrisinhos
por soar a judaico, ninguém achou estranho eu responder “israelita” à pergunta
do Sr. Brand à minha religião.
Fora
a mãe que me recomendara: “Quando o Sr. Brand te perguntar pela religião,
diz-lhe que és israelita. Soa melhor do que judia”. Eu não concordava, porque
achava “israelita” uma palavra estranha que não parecia pertencer à minha
língua e, por isso, corei de embaraço ao pronunciá-la.
E
quando o Sr. Brand quis saber a profissão do meu pai respondi “negociante de
cavalos”. Coisa natural. Muitos alunos eram filhos de lavradores e conheciam o
meu pai.
Não
me sentia envergonhada daquilo que eu e o meu pai éramos, como aconteceria mais
tarde, no liceu, quando a minha mãe me recomendou que às perguntas respondesse,
além de “sou israelita”, que o meu pai era “comerciante”.
Ilse Losa,
in “O Mundo em que Vivi”.
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