Maria Judite de Carvalho (Lisboa, Portugal, 1921 -1998).
Dedicou-se,
especialmente, à novela e ao conto.
Publicou,
em 1959, o livro Tanta Gente Mariana, uma
colectânea de sete contos, que lhe valeu rasgados elogios da crítica e o
reconhecimento imediato do público.
Organizou
uma selecção de autores insertos em Os
Mais Belos Contos da Literatura de Língua Portuguesa e participou na antologia Os
Sete Pecados Mortais.
Sobre o livro de contos Palavras Poupadas, distinguido com o
“Prémio Camilo Castelo Branco”, João Gaspar Simões, crítico literário,
escreveu: «Não tem rival na nossa língua e é das páginas mais belas da nossa
literatura novelística.»
“Tanta Gente Mariana”: (excerto)
(…) “Uma noite
dos meus quinze anos dei comigo a chorar. Não sei já qual foi o caminho que me
conduziu às lágrimas, tudo vai tão longe, perdido na fita branca do passado. Só
me recordo de que o pai me ouviu e se levantou. Sentou-se ao de leve na borda
da minha cama, pôs-se a acariciar-me os cabelos, quis saber o que eu tinha.
- Estou só, pai.
Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me… Que parvoíce, não é?
Estou agora só! E tu então?
Tentei rir-me a
tapar-me, já arrependida da franqueza, mas ele não colaborou e isso salvou-o da
raiva que eu havia de lhe ter na manhã seguinte. Não se riu e a sua voz, quando
veio, era muito doce, quase triste.
- Também deste
por isso - disse brandamente – Também deste por isso. Há gente que vive setenta
e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze… Todos estamos
sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana!
E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem
uma esperança.
- Mas tu, pai…
- Eu… As pessoas
que enchem o teu mundo não são diferentes das do meu… No fundo é muito provável
que algumas delas sejam as mesmas, mas aí está, se fosse possível
encontrarem-se não se reconheciam nem mesmo fisicamente…
Como havemos de
nos ajudar? Ninguém pode, filha, ninguém pode…
Ninguém pode….
Maria Judite de
Carvalho
Imagem: pintura de Júlio dos Reis Pereira (Saúl Dias) (Vila
do Conde, Portugal, 1902 -1983).
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