sábado, 6 de fevereiro de 2016

CARTA DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO A FERNANDO PESSOA

 
 
 
 
 
 
Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa
 

Meu querido Amigo.

 
A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar.
 
Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer.
 
Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. [...]

 

 
Mário de Sá-Carneiro, 31 de Março de 1916.
 
 
Imagem: Caricatura de Mário de Sá-Carneiro por Almada Negreiros.
 
 
 

 

2 comentários:

  1. Me perdoe, mas acho que só ele que precisava disto, pra ser feliz; pior, que nem saberia se foi ! A felicidade não mora fora da gente, mora dentro do coração. De chinelinho de dedo, num casebre, pequenina que fosse, com família reunida, o quê bastasse pra viver, seria um bom motivo pra felicidade entrar, se acomodar e permanecer. Felicidade, nós determinamos e basta que sejamos feliz com isto, que ela permaneça. O homem é infeliz porque busca, ou além do que pode, ou deseja o que não lhe pertence. E isto, com muito ou pouco dinheiro, tanto faz, nunca será feliz.

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  2. Me perdoe, mas acho que só ele que precisava disto, pra ser feliz; pior, que nem saberia se foi ! A felicidade não mora fora da gente, mora dentro do coração. De chinelinho de dedo, num casebre, pequenina que fosse, com família reunida, o quê bastasse pra viver, seria um bom motivo pra felicidade entrar, se acomodar e permanecer. Felicidade, nós determinamos e basta que sejamos feliz com isto, que ela permaneça. O homem é infeliz porque busca, ou além do que pode, ou deseja o que não lhe pertence. E isto, com muito ou pouco dinheiro, tanto faz, nunca será feliz.

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