UM PAÍS DE CANALHAS
Pensar
Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente
se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de
singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não
temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um
original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do
país.
A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de
canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente
ignora que tenham existido.
Nós não somos um país de vocações comuns, de
consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes
homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi.
A
independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia.
Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o
negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos
só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O
comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Entre os
originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que
o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo
mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o
sarrabulho. Não há por aí um original para servir?
VERGÍLIO FERREIRA (Gouveia, Portugal, 1916 – Lisboa, 1996), escritor e professor, in “Conta-Corrente 2”. (Citador)
Imagem: Cartoon de JOÃO
ABEL MANTA (Lisboa, Portugal,1928), arquitecto, pintor e cartoonista.
***
JOÃO ABEL MANTA publicou este
cartoon, em formato de poster, nas páginas centrais de um suplemento (A Mosca)
do jornal Diário de Lisboa, de 11 Novembro de 1972.
Em 21 de Novembro o caso é
denunciado à polícia judiciária, e um mês depois era deduzida a acusação contra
João Abel Manta por ofensa à bandeira nacional.
O juiz, absolveu o
cartoonista, atendendo à argumentação da defesa, representada por José Carlos
Vasconcelos que o fez nestes termos:
“O
poster tem um sentido que é exactamente contrário do que a mentalidade
censória, inquisitorial, dos acusadores lhe quis dar. O poster é uma defesa da
pátria e do seu símbolo, a bandeira, contra aqueles que a usurpam, servindo-se
abusivamente dela em manifestações artísticas medíocres ou em certos actos
ainda muito mais graves. Mas julgo que os acusadores e os seus chefes têm
sobejos motivos para se sentirem atingidos pela crítica acerada de João Abel,
pois ela atinge também em cheio, todos os que vivem ao nível de um país de
cançoneta, os que são a imagem viva, na política e na finança, no jornalismo,
do cançonetismo mais baixo e que, pior, são capazes de todas as covardias e das
maiores infâmias.”
JOSÉ CARLOS VASCONCELOS
(Freamunde, Paços de Ferreira, Portugal, 1940) é advogado, jornalista e
escritor.
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