BEATRIZ COSTA
(Charneca do Milharado, Portugal, 1907
- Lisboa, 1996)
Actriz
de teatro e cinema
***
Perto
do Teatro da Trindade, em Lisboa, fica o célebre café ‘A Brasileira’ do Chiado.
Nessa
altura, uma senhora não frequentava lugares em que os homens permanecessem…
***
A
BRASILEIRA DO CHIADO DOS ANOS 30!
Diogo de Macedo, escultor, crítico de arte e director do Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. Um dos meus melhores amigos. É dele o célebre busto em que eu estou de lábios pintados de vermelho forte. Essa obra deu que falar. Lamento não ter ficado com a magnífica escultura em que eu estou tão bem retratada no mármore. Com ele aprendi a gostar de pintura. Indicava-me livros de arte e, várias vezes me emprestou os mais caros da sua biblioteca, como a Enciclopédia Skira, os álbuns de grandes mestres e biografias.
Gualdino
Gomes, director da Biblioteca Nacional, talvez por ter vivido nessa fartura não
deixou um livro seu. Só as recordações d´A Brasileira dessa época davam um
volume de muitas páginas! Gualdino era mestre de espírito. Vestia-se sempre de
negro; impecavelmente escovado. Usava chapéu de modelo especial, uma espécie de
mazantini, mas de feltro mole, e uma
bela capa preta de corte londrino. Era exactamente aquela figura do reclame do
vinho do Porto Sandeman que vem na Vogue. Acredito que tenha sido ele o
motivo de inspiração para o artista que desenhou o anúncio, que tanto brilha na
Quinta Avenida de Nova Iorque.
Bernardo Marques, que o Brasil conheceu e aplaudiu, era um artista ímpar. No Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro estiveram expostas durante vários dias algumas das suas obras mais representativas. Infelizmente, foi uma homenagem póstuma, pois o grande artista suicidou-se por motivos ignorados na sua residência em Lisboa.
Almada
Negreiros, um dos mais ilustres frequentadores d´A Brasileira. Homem de mil
talentos. Pintor, poeta, teatrólogo, cenarista, etc. Casado com Sara Afonso,
pintora vitoriosa, não teve dúvida em se apagar como artista para se dedicar à
«construção» da felicidade deste homem magnífico. Não frequentava A Brasileira,
raras vezes aparecia, mas quando o fazia trazia com ela aquele sorriso tão
nosso, tão português.
Silva Tavares, poeta popular de grande valor, aparecia n´A Brasileira, mas nem sempre se sentava. Um dia escreveu-me um bilhete com a seguinte quadra:
Se
o homem lá tiver giz
E
pedra para escrever,
Podes
pedir, Beatriz,
Um café para eu beber?
Foi um homem que teve as suas dificuldades
na vida, mas acabou nos braços da glória. São célebres as letras que fez para
algumas das mais belas canções da época.
Foi
muito criticado por estes versos da canção «O Dia da Espiga», da revista O Cabaz de Morangos:
Maria,
São teus olhos azeitonas,
Cachopa,
Os teus lábios qual cereja!
E os teus seios cachos d´uvas, que
abandonas
Á vindima desta boca que os deseja!
Ora
todos sabem que os cachos de uva pendem da parreira… Daí a crítica aos seios
caídos da cachopa. Fez o meu retrato em quatro versos de sete sílabas, que é
uma perfeição:
Eu
gosto da Beatriz,
Acho-lhe uma graça imensa!
Não pensa aquilo que diz…
Mas diz aquilo que pensa.
(continua)
in
“Sem Papas na Língua” – Memórias - 1974
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