AFONSO DUARTE
(Ereira, Portugal, 1884 - Coimbra, 1958)
Poeta
***
A sua inspiração, embora entranhadamente
tradicionalista, desenvolve-se em função de uma permanente preocupação de novidade,
traduzida sobretudo numa simplificação de riqueza imagística, numa busca de interioridade
e num aprofundamento do estar perante o mundo envolvente.
in “Livro dos Portugueses”
***
GRITO
Não
posso já com ervas nem com árvores:
Prefiro
os lisos, frios mármores
Onde nada está escrito.
Meu
gosto da paisagem fez-se escuro;
Nenhures
é o lugar que mais procuro
Como homem proscrito.
Eu
bem sei: A verdura! A flor! Os frutos!
Mas
não posso passar de olhos enxutos,
Meu campo verde aflito.
Porventura
cegaram os meus olhos
Porque
há nos silveirais flores aos molhos
- Tanta
flor me tem dito.
Mas
eu bem sei que movediços lodos
Que
são o chão, as lágrimas de todos,
Meu coração contrito.
Eu
não sei se amanhã será meu dia;
Recolho-me
furtivo na poesia,
Incerto o chão que habito.
Ai
de mim! Ai de mim, nuvem medonha!
Os
homens conheci, bebi peçonha,
E é por isso que grito.
Sem comentários:
Enviar um comentário