MIGUEL TORGA
(São Martinho de Anta, Portugal,
1907 - Coimbra, 1995)
Escritor, poeta
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ESCRAVIZADOS AO ALÉM
Acabar com a morte como agonia diária da
humanidade é talvez o maior bem que se pode fazer hoje ao homem. O cristianismo
transformou a vida numa cruz, porque lhe pôs a consciência da morte à
cabeceira. E crentes e ateus vivem no mesmo terror. Ora a ideia terrífica do
fim não é uma condição fisiológica, nem mesmo intelectual do homem.
Nem os
Gregos, nem os Romanos, por exemplo, sentiam a morte com a irreparável angústia
que nos rói. É forçoso, pois, que se arranquem as raízes desta dor, custe o que
custar.
Escravizados ao além, os nossos dias aqui não podem ter liberdade nem
alegria. Qualquer doutrina que nega ao homem o direito de ser pleno na sua
física duração, é uma doutrina de castração e de aniquilamento.
Ir buscar ao
post-mortem as leis que devem limitar a expansão abusiva da personalidade, é o
artifício mais desgraçado que se podia inventar. Pregue-se e exija-se do
indivíduo medida e disciplina, mas que nasçam da sua própria harmonia.
Institua-se uma ética com raízes no mesmo chão onde o homem caminha.
in "Diário"
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