Poema no Domingo de Páscoa
vi um cego a almoçar num restaurante.
Levava o garfo à boca, e entretanto sorria,
cândidamente,
como só os cegos sabem sorrir.
Comia frango, e ao servir-se do garfo ora trazia
comida nova, ora coisa nenhuma,
ora tendões e peles já antes mastigados,
ora tudo junto,
dependurado de qualquer maneira,
sorrindo sempre, cândidamente.
Eu então levantei-me, e assim mesmo,
de sapatos castanhos,
calças e casaco da mesma cor,
alto, magro e bastante calvo,
aproximei-me do cego
e disse-lhe imperativamente:
– Abre os olhos!
Que ridículo!
Uma coisa que só aos deuses pertence.
António Gedeão, poeta português, in “Revista Colóquio/Letras".
Ilustração: Tela incluída na série “Pinturas Cegas”, pintada, de olhos vendados, pela artista plástica japonesa, Tomie Ohtake.
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