domingo, 6 de abril de 2014

Memória dum Pintor Desconhecido

 
 
 
 
 
Memória dum Pintor Desconhecido

Os presos contam os dias
eu as horas
nesta prisão maior onde um olhar ficou boiando
e uma voz um som de passos perseguidos
na sombra perseguindo a segurança
fugidia

Na cidade que amo e a sós comigo
é talvez só futuro ou já saudade
com alma bem nascida entre o fragor de máquinas, cimento e energia atômica indefeso entre irmãos de cárcere demando
a voz que foge os irmãos que não vejo
o brando olhar que guarda o meu desejo
e só consigo
ver o gomoso arrastar das horas e das horas
tantas horas
à baioneta marcadas por uma sentinela
aos quatro cantos da janela
gradeada
do dia- a - dia onde não há
mais nada

Que nada são os dias e os anos
para um tão grande amor que vou pintando
com o próprio sangue os meus e teus enganos
que há de nascer que há de florir que há de
e há de e há de
quando?

 
Mário Dionísio

Ilustração: Pintura de Aline Pascholati, artista plástica, escritora e historiadora de arte pela Université Paris.


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