No País dos Sacanas
Que adianta dizer-se que
é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os
melhores, às suas horase todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternamente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além da rivalidade, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência,
a justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser
sacana e meio?
Não, que toda a gente já
é pelo menos dois.Como ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.
Jorge de Sena (Lisboa, Portugal, 1919 – Santa Bárbara,
Califórnia, 1978), in “40 Anos de Servidão”.
Imagem:
escultura do artista catalão Josep Maria Subirachs.
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