segunda-feira, 8 de setembro de 2014

No País dos Sacanas

 
 
 
 





              No País dos Sacanas

 
Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternamente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além da rivalidade, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

 
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
e ver se se convertem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

 
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência,
a justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não capazes de atingir.

 

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

 

Jorge de Sena (Lisboa, Portugal, 1919 – Santa Bárbara, Califórnia, 1978), in “40 Anos de Servidão”.

Imagem: escultura do artista catalão Josep Maria Subirachs. 

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