quarta-feira, 30 de setembro de 2015

ALVES REDOL - Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos

 
 
 
 
 
 
Alves Redol (Vila Franca de Xira, Portugal, 1911 – Lisboa, Portugal, 1969).

Escreveu romances, contos, peças de teatro e estudos etnográficos.

Com 17 anos de idade embarcou para Luanda, onde chegou “de bolsos vazios, uma garrafa de vinho do Porto na mão e uma grande vontade de vencer”. Regressou a Portugal após três anos de desilusão.

Publicou, em 1939, Gaibéus, o primeiro romance neo-realista escrito em Portugal, denunciando as duras condições de vida no Ribatejo, temática sempre presente na sua obra literária.

Em 1961 publicou, provavelmente, o seu melhor romance, Barranco de Cegos.
 
 

Palavras de Alves Redol:
“Quando o pão escasseia não há mal que não chegue, nem tortura que não apoquente.”
 
 
Excerto do conto: Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos:
 
(…) Para o Cuco, almirante de um navio de cana, a grande aventura, a verdadeira, vivera-a ele durante a noite.
Ainda agora se embala nessa aventura maravilhosa de viajar num barco mágico, onde acabara por nascer duma simples folha um mastro com vela grande e verde. Parecia mesmo um pendão. Só assim pudera entrar pelo mar dentro – nem sabia bem aonde chegara! – embora acossado por vagas e temporais medonhos.
A viagem sonhada fora-lhe preciosa. Aprendera nela muitas coisas de marinhagem, de que aproveitaria quando repetisse, ao vivo, essa aventura misteriosa. Ah, sim, tem a certeza, e agora mais do que nunca, de que irá construir um barco seu, arrebanhando quantas canas e tábuas consiga encontrar na aldeia.
Há-de preparar o navio com todo o preceito, sem esquecer o mais importante. Para mastro arranjará um pau de varejar azeitona. O pai tem um guardado no palheiro; é alto e verga-se bem. Tirará a vela dum lençol velho, mesmo remendado. Precisa de oferecer ao vento uma boa concha para lhe soprar com força.
Não, não pode ficar-se por uma jangada qualquer feita à matroca com dois molhos de canas amarrados por arames, à toa. Assim iriam, quando muito, até perto de Bucelas. E ele precisa de alcançar terras mais distantes…(…)
 
 
Alves Redol
Imagem: pintura de Hélder Bandarra (Aveiro, Portugal, 1940).

 
 
 
 
 
 

 
 

terça-feira, 29 de setembro de 2015

FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO - Da voz das coisas

 
 
 
 
 
 Fiama Hasse Pais Brandão (Lisboa, Portugal, 1938-2007).
 
Poetisa, dramaturga, ensaísta, tradutora, encenadora e crítica teatral participou no movimento “Poesia 61”, que originou uma revolução da linguagem poética portuguesa dos anos 60.
 
Em 1974, foi um dos fundadores do “Grupo Teatro Hoje”.
 
É autora de várias peças de teatro, algumas das quais foram representadas em Lisboa, Rio de Janeiro e Nancy.
 

 
                    Palavras de Fiama Hasse Pais Brandão:

                               "Nada é efémero sob o tom da luz".

 
 
                                         Da voz das coisas

 
                                             Só a rajada de vento
                                                dá o som lírico
                                             às pás do moinho.

 
 
                                        Somente as coisas tocadas
                                            pelo amor das outras
                                                       têm voz.




Fiama Hasse Pais Brandão    
Imagem: pintura de  Egídio Kieling (Rio Grande do Sul, Brasil,  1946). 

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS - O meu amor, coitadinho

 
 
 
 
 
 
 

O meu amor, coitadinho

O meu amor coitadinho,
Anda na praia brincando;
Por amor de uma ondinha,
A maré ia-o levando!


O meu amor, coitadinho,
Anda ao frio, anda à neve:
À semana não no vejo,
Ao domingo não me escreve!

 



Cancioneiro Popular Português – José Leite de Vasconcelos
Imagem: pintura de Alfredo Keil (Lisboa, Portugal, 1850 – Hamburgo, Alemanha, 1907).

 

 


domingo, 27 de setembro de 2015

GEOFFREY CHAUCER - Contos da Cantuária

 
 
 
 
 

Geoffrey Chaucer (Reino Unido, 1343 – 1400).

Escritor, filósofo e diplomata foi um dos mais reputados nomes da literatura inglesa medieval.

 
 
Palavras de Geoffrey Chaucer:
“Nem sempre os mais eruditos são os mais sábios.”

 
 
Contos da Cantuária

 
Publicado a primeira vez em 1475, Contos da Cantuária é uma das pedras fundamentais da literatura do Ocidente, uma coleção magistral de histórias de cavalaria, alegorias morais e farsa desbragada.
Escritas pelo britânico Geoffrey Chaucer, as histórias ajudaram - assim como Dante e Cervantes fizeram em suas respectivas culturas literárias - a sedimentar a literatura de todo um país.
Tudo começa a partir de um certame entre peregrinos acerca das melhores histórias de cavalaria e romances. Rico e diverso, o livro descortina - com crueza e lirismo, graça e deboche - o universo social e cultural da Inglaterra em plena Idade Média. Anedotas, ciclos cavalheirescos, escatologia, ensinamentos edificantes e muita caricatura surgem nas histórias desses peregrinos que rumam em direção à Cantuária, onde pretendem visitar o túmulo de São Thomas Becket.
Vertido para o português com maestria, mas sem deixar de lado o humor e a diversão, o livro tem tudo para cativar leitores de todas as idades.

 


Contos da Cantuária, in “Companhia das Letras”.

 
 

sábado, 26 de setembro de 2015

E.E. CUMMINGS - Nalgum Lugar

 
 
 
 

E.E. Cummings (Cambridge, EUA, 1894 – North Conway, EUA, 1962).

Poeta, dramaturgo, ensaísta e pintor é considerado um dos inventores da poesia moderna.

 

 
 
Palavras de E.E. Cummings:

 
“O mais desperdiçado de todos os dias é um dia sem risos.”

 

 
 
                                      Nalgum Lugar

 
 
nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto 
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
 e abre; só uma parte de mim compreende que a
 voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
 ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

 
 
E.E. Cumings

Tradução: Augusto de Campos
Imagem: pintura de Martyn Jones (Reino Unido, 1955).

 
 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

JORGE LUIS BORGES - Os Justos

 
 
 
 
 
 

Jorge Luis Borges (Buenos Aires, Argentina, 1899 – Genebra, Suiça, 1986).

Poeta, escritor, crítico literário, ensaísta e tradutor renovou a linguagem de ficção e, assim, abriu o caminho para uma geração de romancistas hispano-americanos.

Luis Borges possuía uma imaginação criadora e dominava a expressão verbal e metafórica de forma única que lhe garantiu uma posição destacada na literatura de língua espanhola.

 

 
Palavras de Jorge Luis Borges:

"Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele."

 
 
                                     Os Justos

 
Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.

O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

 
 
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução: Fernando Pinto do Amaral
Imagem: pintura de Julie Daniels

 

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

MILLÔR FERNANDES - A Ambição Superada

 
 
 
 
 

Millôr Fernandes (Rio de Janeiro, Brasil, 1923 – 2012).

Humorista, dramaturgo, escritor, tradutor, poeta, artista plástico e jornalista, destacou-se pelo talento em todas estas actividades.

Colaborou, com uma página semanal, no jornal português “Diário Popular”.

 
 
Palavras de Millôr Fernandes

“Dizem que quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito.”

 

A Ambição Superada


 
Certo dia uma rica senhora viu, num antiquário, uma cadeira que era uma beleza. Negra, feita de mogno e cedro, custava uma fortuna. Era, porém, tão bela, que a mulher não titubeou - entrou, pagou, levou para casa.
A cadeira era tão bonita que os outros móveis, antes tão lindos, começaram a parecer insuportáveis à simpática senhora. (Era simpática).
Ela então resolveu vender todos os móveis e comprar outros que pudessem se equiparar à maravilhosa cadeira. E vendeu-os e comprou outros.
Mas, então a casa que antes parecia tão bonita, ficou tão bem mobilada que se estabeleceu uma desarmonia flagrante entre casa e móveis. E a senhora começou a achar a casa horrível.
E vendeu a casa e comprou uma outra maravilhosa.
Mas dentro daquela casa magnífica, mobilada de maneira esplendorosa, a mulher começou, pouco a pouco, a achar seu marido mesquinho. E trocou de marido.
Mas mesmo assim não conseguia ser feliz. Pois naquela casa magnífica, com aqueles móveis admiráveis e aquele marido fabuloso, todo mundo começou a achá-la extremamente vulgar.
 
 
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
Imagem: pintura de Tarsila do Amaral (São Paulo, Brasil, 1886 – 1973).

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

PAUL VERLAINE – Canção de Outono

 
 
 
 
 
 

Paul Verlaine (Metz, França, 1844 – Paris, França, 1896).
Poeta precursor do simbolismo.
Foi eleito, em 1895, pelo mundo literário francês, o “Príncipe dos Poetas”.

 
 Palavras de Paul Verlaine:

“A independência foi sempre o meu desejo, a dependência foi sempre o meu destino.”

 

 
 Canção de Outono
 
 
Este lamento
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.


E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

Paul Verlaine

Tradução: Guilherme de Almeida
Imagem: pintura de Amadeo de Sousa Cardoso (Portugal, 1887 – 1918).


terça-feira, 22 de setembro de 2015

VIRGÍNIA WOOLF - Carta a Leonard Woolf

 
 
 
 
 

Virgínia Woolf (Londres, Inglaterra, 1882 – Lewes, Inglaterra, 1941).

Escritora, ensaísta e editora.
Foi um dos mais destacados nomes do modernismo.

Em 28 de Março de 1941, decidiu suicidar-se no Rio Ouse. Deixou escrita uma carta para Leonard, seu marido.

 
Carta de despedida de Virgínia Woolf a seu marido Leonard Woolf

 
Meu Muito Querido:
Tenho a certeza de que estou novamente a enlouquecer: sinto que não posso suportar outro desses terríveis períodos. E desta vez não me restabelecerei. Estou a começar a ouvir vozes e não me consigo concentrar. Por isso vou fazer o que me parece ser o melhor.
Deste-me a maior felicidade possível. Foste em todos os sentidos tudo o que qualquer pessoa podia ser. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes até surgir esta terrível doença.
Não consigo lutar mais contra ela, sei que estou a destruir a tua vida, que sem mim poderias trabalhar. E trabalharás, eu sei. Como vês, nem isto consigo escrever como deve ser. Não consigo ler.
O que quero dizer é que te devo toda a felicidade da minha vida. Foste inteiramente paciente comigo e incrivelmente bom.
Quero dizer isso — toda a gente o sabe. Se alguém me pudesse ter salvo, esse alguém terias sido tu. Perdi tudo menos a certeza da tua bondade. Não posso continuar a estragar a tua vida.
Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes do que nós fomos.
V.

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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

ESCRITA GÓTICA

 
 
 
 
 
 

No final do séc. IV, Wulfila, bispo dos Godos instalados no curso do Danúbio, cria a Escrita Gótica, tendo em vista a tradução, na sua língua, dos textos sagrados.

Esta escrita é igualmente chamada Moeso-gótica para se distinguir dos caracteres alemães, conhecidos por góticos. Estes foram inspirados no alfabeto grego.

Para fazer sobressair os sons que o grego não possuía, Wulfila recorreu aos signos rúnicos.

O alfabeto gótico teve uma existência efémera, sendo hoje objecto de uma simples curiosidade, sendo os textos góticos transcritos em caracteres latinos.


Escrita Gótica, in “Museu Nacional da Imprensa”.

 

domingo, 20 de setembro de 2015

ADRIENNE RICH - O Deserto como Jardim do Paraíso

 
 
 
 
 
 

Adrienne Rich (Baltimore, EUA, 1929 – 2012).

Poetisa, escritora, feminista e professora viveu em Cambridge, Massachusetts e nos Países Baixos, usufruindo de uma bolsa de estudo de Guggenheim.

A partir de 1966 radicou-se em Nova Iorque, onde participou em movimentos feministas. Escolheu praticar a solidariedade humana com os marginalizados e os oprimidos do seu país e do mundo inteiro.
Aplicou, nessa tarefa, a sua força de poetisa, explorando temas como o papel da mulher na sociedade, o racismo e a guerra do Vietname.

Publicou, em 1951, o seu primeiro livro de poesia, A Change of World, conquistando sucesso imediato.
 
 

Palavras de Adrienne Rich:

As mulheres têm sido o verdadeiro povo activo em todas as culturas, sem as quais a sociedade humana há muito tempo teria perecido, embora a nossa atividade tenha sido mais frequentemente em favor dos homens e das crianças.“
 
 
O Deserto como Jardim do Paraíso
 
Que significaria pensar
que se é parte de uma geração
que tem simplesmente de passar?
Que significaria viver
no deserto, procurar viver
uma vida humana, algo
a transmitir aos filhos
para levar até à terra?
Que significaria pensar
que se nasceu acorrentado e que só o tempo,
nada do que se possa fazer
poder remir a escravidão
em que nasceu?
 
Adrienne Rich
Imagem: pintura de Leslie Cole (Inglaterra, 1910 – 1976).
 
 
 
 
 
 

 

 
 

 

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...