José Cardoso
Pires (Vila
de Rei, São João do Peso, Castelo Branco, Portugal,
1925 – Lisboa, Portugal, 1998).
Foi
escritor, cronista, tradutor, professor e colaborador literário em diversos
jornais e revistas.
Palavras de José
Cardoso Pires:
“O pessimismo é uma defesa contra a
desilusão.”
O
Príncipe Real (excerto da crónica)
Se há jardim de Lisboa
que me dê gosto maior é o do Príncipe Real.
Primeiro, por causa da árvore-mãe
que tem ao centro, baixinha e de ventre antigo, e de ramagem tão extensa que dá
abrigo a meio mundo.
Depois porque o conheci rodeado de poetas, uns em verso,
outros em prosa: O' Neill morou-lhe quase em frente, na rua da Escola
Politécnica, Vieira de Almeida mesmo ao lado, Ruy Cinatti na rua da Palmeira e
Agostinho da Silva na Travessa do Abarracamento de Peniche que é um recanto
pacífico para meditar.
Isso para não falar já do Poeta Real que se chamava
Mendonça e que nunca escreveu coisíssima nenhuma na vida, pelo menos que se
saiba. Fizémo-lo poeta, eu e alguns amigos, porque se passeava no jardim
acompanhado dum pato negro, com a solenidade dum letrado do Olimpo.
Alguém que
numa cidade se passeia com um pato é poeta ou tem alma disso.
No entanto, se
nós, em vez de poeta, o tivessemos feito Príncipe Real também não ficaria pior
porque condizia com a majestade com que ele atravessava a paisagem.
Finalmente o
quiosque. Importante não esquecer o quiosque neste jardim porque ali se servia
a melhor ginja-com-elas de Lisboa ao balcão da janelinha e sabiam-se enredos
que se passavam a toda a volta.
Enjaulado no seu posto, o patrão da ginjinha,
tabacos e lotarias, contava casos de sentimento, velhices adormecidas, drogados
de aflição e tudo o mais que ocorria naqueles bancos à beira-relva.
José Cardoso Pires, in “A Cavalo no
Diabo”.
Imagem: pintura de Minoru Nagashima (Takasaki,Tóquio, Japão, 1943).
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