quinta-feira, 3 de setembro de 2015

CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS – A rosa branca na boca

 
 
 
 

A rosa branca na boca

 

Um homem muito abastado veio a cair em pobreza pelos seus desvarios; como tinha dado uma boa educação ao filho, este sabia tocar muitos instrumentos e para ganhar a sua vida foi por esse mundo além.

Chegou a uma terra e parou diante de um palácio onde se estavam tocando peças de música muito lindas. Deixou-se ali ficar sem comer nem beber. O dono do palácio vendo aquele homem parado na rua, perguntou-lhe o que queria. Ele disse que também gostava muito de música; o homem mandou-o entrar para ver se ele também sabia tocar.

Assim foi, tocou e desbancou todos os outros músicos. O homem admirado, despediu todos os músicos, e disse ao rapaz que ficasse com ele, para o ouvir tocar sempre.

Os outros músicos desesperados só queriam apanhar o rapaz para o matarem; mas o velho assim que soube disto protegia o rapaz, acompanhava-o sempre, e queria deixar-lhe tudo como se fosse seu filho.

Na corte correu a fama do tocador, e o rei pediu ao fidalgo para lhe levar o rapaz e deixá-lo no paço alguns dias. Lá lhe custou isso, mas não podia dizer que não ao rei. O rapaz espantou todos nas festas do palácio, porque tocava muito bem.

Uma noite que estava recolhido, sentiu entrarem-lhe na câmara e meter-se na cama com ele uma dama; quis saber quem era, acendeu uma luz, mas ela trazia uma máscara. Enquanto se demorou no paço, todas as noites ia a dama ter com ele.

O rapaz insistiu para que lhe dissesse quem era. Ela respondeu:

Não te posso dizer quem sou! Amanhã ao entrar para a missa, hás- de me ver com uma rosa branca na boca.

O rapaz foi dizer tudo ao fidalgo que já o tratava como filho; mas o fidalgo lembrando-se do ódio dos músicos, quis acompanhá-lo, não fosse alguma traição.

 

Pôs-se ele à porta da igreja, entraram todas as damas, e só quando veio a rainha é que ao lado dela viu a condessa que a acompanhava, e que todos tinham na corte por muito virtuosa, com a rosa branca na boca.

 

Assim que viu o rapaz em companhia do fidalgo botou a rosa ao chão e amachucou-a com os pés. O rapaz chegou-se próximo da condessa para saber o motivo daquela zanga. Ela disse-lhe que a tinha atraiçoado, dizendo tudo ao fidalgo. Perguntou-lhe ele o que era preciso que fizesse para tornar a alcançar o seu amor.

 

Disse a condessa que só matando o fidalgo que lhe servira de pai. Ele na sua cegueira assim fez. O rei quando soube deste crime, achou-o tão atroz que deu ordem logo para que o enforcassem.

 

Então a condessa foi contar tudo ao rei, e confessou-se culpada, dizendo que o rapaz estava inocente, e que o que fizera era pela paixão do amor. Então o rei perdoou-lhe:

 

Já que a condessa fez a sua desgraça, case agora com ele para o fazer feliz.

 

 
Teófilo Braga, in “Contos Tradicionais do Povo Português”
Imagem: pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante, Portugal, 1887 – Espinho, Portugal, 1918).

 

 

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