quarta-feira, 30 de março de 2016

ALICE GOMES - Na idade dos porquês





Alice Gomes (Granjinha, Tabuaço, Portugal, 1910 – Lisboa, Portugal, 1983).

Escritora, pedagoga, conferencista, dramaturga, Alice Gomes foi uma mulher de acção, que deixou publicados vários contos, poesias, traduções, ensaios e outros tantos por publicar.

De toda a sua experiência de convívio e estudo da criança resulta uma obra diversificada onde a formação de pedagoga se associa à imaginação e ao humor. É com subtileza que procura incutir princípios que dignificam o futuro das crianças e é também com alegria que os procura atrair para a leitura, de modo a que não percam o gosto e a necessidade de ler.

Em estilo dialogante e comunicativo conta histórias do real retocado pelo maravilhoso ou pelo sonho em o Vidrinho de Cheiro e Contos Risonhos, para logo em os Ratos e o Trovador enveredar pela teatralização da lenda do flautista de Hamlim. A Lenda das  AmendoeirasNau Catrineta são duas outras peças teatrais de Alice Gomes.

Poesia Para a infância (1955) é uma antologia de poesia portuguesa e brasileira. Outras das suas obras dedicadas à poesia são Poesia de infância (1966) e Bichinho poeta (1970), livro de poemas que ocupa um lugar destacado na obra desta escritora que foi elemento proeminente de várias actividades ligadas à criança. 

As reflexões que deixou expressas em Aprender sorrindoLiteratura para a Infância, 1979, demonstram a sua contínua actividade de escritora e divulgadora de literatura infantil.



Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal




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Na idade dos porquês


Professor diz-me porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?

Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda gira rodopia
e cai morto no chão...

Tenho nove anos professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!

Tu falas falas professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.

É a luta professor
a luta em vez de amor.

Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.

Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.

Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...

E quando tu depois vens definir
o que são conjunções
e preposições...
quando me fazes repetir
que os corações
têm duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tanta mais definições...

o meu coração
o meu coração que não sei como é feito
nem quero saber
cresce
cresce dentro do peito
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.



Imagem: fotografia de autoria do artista surrealista Fernando Lemos, datada do início da década de 50 do século XX.


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