Sigmund
Freud (Freiberg, Checoslováquia 1856 – Londres, Reino
Unido,1939) – Criador da psicanálise.
Martha
Bernays (Hamburgo, Alemanha, 1861 – Londres, 1951) – esposa de
Sigmund Freud.
CARTA DE SIGMUND FREUD A MARTHA BERNAYS
Carta de Amor
Eu sabia que seria apenas
depois de te teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha
felicidade e, alas! o grau da minha perda também. Ainda não a consegui
ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela caixinha pequena com a tua
doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não
quereria acordar.
Contudo os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio
consigo-me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente
encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar.
Tem que ser
verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que
apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro
encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada
confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças
e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava.
Quando tu voltares,
querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me
inibiu perante a tua presença. Iremos sentar-nos de novo sozinhos naquele
pequeno quarto agradável, vais-te sentar naquela poltrona castanha, eu estarei
a teus pés no banquinho redondo, e falaremos do tempo em que não existirá
diferença entre noite e dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem
preocupações que nos separem.
A tua amorosa fotografia.
No início, quando eu tinha o original à minha frente não pensei nada sobre a
mesma; mas agora, quanto mais olho para ela mais esta se assemelha ao objecto
amado; espero que o rosto pálido se transforme na cor das nossas rosas, e que
os braços delicados se desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a
imagem preciosa não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência” Eu sou
apenas um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e depois podes
negligenciar-me de novo».
Eu gostaria imenso de
colocar esta fotografia entre os deuses da minha casa que pairam acima da minha
secretária, mas embora eu possa mostrar os rostos severos dos homens que
reverencio, quero esconder a face delicada da minha amada só para mim.
Vai
continuar na tua pequena caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade
de vezes, nestas últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para
poder tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória.
in “Citador”
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