ART BUCHWALD
(EUA, 1925 – 2007)
Escritor, cronista,
humorista
***
A sua coluna no “The Washington Post” foi publicada em
mais de 550 jornais. Escreveu 30 livros. Too
Soon to Say Goodbye (2006), foi a sua última obra.
Em 1986 foi eleito para a
"American Academy and Institute of Arts and Letters".
***
Veneza à Hemingway
Todo aquele que vem a Veneza é
influenciado, de algum modo, por um dos grandes escritores que escreveram acerca
da cidade. Hemingway influenciou-se talvez mais que qualquer outro e se não
fora Na outra margem entre as árvores,
duvido que alguma vez gozasse o prazer de lá ir.
Vejamos, por exemplo, a noite em que com
minha mulher fui jantar ao Gritti Palace Hotel. Foi um esplêndido jantar, um
imponente jantar, um jantar de lagosta, e a lagosta era boa. Quando chegou
vinha escura, verde, selvagem e custou uns dias de salário, mas depois de
cozinhada ficou vermelha e não a trocaria por cinco fatos.
Olhei para a minha mulher, do outro lado da
mesa. Estava encantadora. Quase tão encantadora como a lagosta. Apertei-lhe a
mão com firmeza.
- Amo-te e gosto que sejas como és –
disse-lhe. Filha, depois de jantar vamos dar um passeio de gôndola.
-
Que negócio é esse de me chamares filha? – disse minha mulher. – E deixa de me
apertar a mão com tanta força. Assim não posso comer a lagosta.
- Minha querida filha, minha pequena filha,
minha única filha – disse eu. – Quem é o teu amor?
- Se me chamas filha mais alguma vez,
atiro-te com a garrafa de vinho – disse ela. – E já que estás de maré, quererás
dizer-me o que estiveste a fazer toda a tarde na praia com Gina Lollobrigida?
- Vamos, vamos, filha, não pensemos na
Lollobrigida. Encontraremos uma gôndola, tu serás tu, eu serei eu e o
gondoleiro será ele.
- Já te avisei acerca desse negócio da
filha.
Saímos. Agora ela parecia-se mais com Mickey Mantle ou Bobby Feller.
Encontrámos uma gôndola comprida, boa,
brava, verdadeira.
- Porque não alugamos antes um gasolina? –
perguntou minha mulher. – Uma gôndola é terrivelmente lenta.
- Porque és minha mulher e estamos sós em
Veneza, porque quero apertar-te nos meus braços e quero que tu também me
apertes e porque, sempre fica mais barato que alugar um gasolina.
- O canal cheira mal – disse ela. Vamos
voltar para o Lido e ver um filme. Vieste cá por causa do festival de cinema.
- Os filmes cheiram quase tão mal como o
canal. Excepto aqueles em que intervêm Marlon Brando, Gary Grant e Frank
Sinatra ou os que tratam dum número restrito de assuntos. Vamos ao Harry´s tomar
uma última bebida antes de te beijar para todo o sempre e durante um dia inteiro.
- Quero voltar para o Hotel – disse a minha
mulher. – A gôndola ou a lagosta fizeram-me mal.
- Qual delas, filha?
- Como diabo posso saber?
- Está bem, levo-te a casa e depois leio-te
Dante. E agora, antes que fiques mesmo doente, filha, beija-me e aperta-me com força
e sinceridade.
Deve
ter sido o último filha, porque mal dei por mim estava dentro do canal com roupas
e tudo. Mas era bom estar vivo, molhado e apaixonado em Veneza. Hemingway não deve
ter passado dias melhores.
in
“Mais Caviar”
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