ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924 - 1986)
Poeta
***
OS
CONVENCIDOS DA VIDA
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às
vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem.
Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à
vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas,
ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os
polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os
meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e
manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são,
os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um
espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de
irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a
convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso
que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento
possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É
tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na
circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a
trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o
caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais,
que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de
classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é
o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as
profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá
chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se
convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o
convencido da vida que, afinal... sempre foi.
in "Uma
Coisa em Forma de Assim"
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