ANTÓNIO
TORRADO
(Lisboa, Portugal,
1939)
Poeta, escritor
***
A sua obra ultrapassa os 120 títulos, onde sobressai a
produção literária para crianças, amplamente galardoada em Portugal e no Brasil
(Prémio da Associação Paulista dos Críticos de Arte de 1994). Ao conjunto da
sua obra foi atribuída, em 1988, o "Grande Prémio Gulbenkian da Literatura
Infantil".
Partidário
da «pedagogia do imaginário», foi fundador de uma escola infantil e básica,
pioneira em Portugal do Movimento da Escola Moderna (técnicas Freinet).
Em
1995, O Mercador de Coisa Nenhuma foi
incluído no “The White Ravens” da “Internacional Children's Library in Munich”.
Foi nomeado
para o “Hans Christian Andersen Award” de 2000, atribuído pelo “International
Board on Books for Young People”.
in “DGLAB” (excerto)
***
A gaivota que gostava de ser pomba
Era uma vez uma gaivota que gostava de ser pomba.
Dizia
ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo que as pombas sempre servem
para alguma coisa.
—
Levam cartas, mensagens, avisos de um lado para o outro — explicava ela às
outras gaivotas. — São as pombas ou os pombos-correios.
—
Também há quem as cozinhe com ervilhas — interrompeu-a uma gaivota trocista.
—
Essa serventia a nós não nos interessa — arrepiaram-se as outras gaivotas, que
voaram, alarmadas.
Ficou
sozinha a gaivota que queria ser pomba. Servir de cozinhado também não estava
nas suas ambições, mas à falta de outro préstimo… E pensou: “Gaivota estufada”,
“Gaivota de cabidela”, “Gaivota guisada com batatas”…
Realmente,
não lhe soava bem. E menos bem devia saber, porque nunca lhe constara que os
humanos, de boca aberta para todos os gostos, tivessem incluído tais receitas
nos seus livros de cozinha.
A
gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia abrir as suas asas para as
lançar sobre as ondas, à cata de peixinho para o almoço, quando um estranho
torpor lhe tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça com uma asa.
Aquilo havia de passar.
As
outras gaivotas, que há pouco tinham debandado, regressavam à praia, apanhadas
pelo mesmo entorpecimento que atingira a gaivota desta história.
Formaram
um bando tiritante, rente ao mar. Umas, levantadas numa só pata, outras
escondidas numa cova da areia, olhavam as águas esverdinhadas, espumosas, como
turistas descontentes com a paisagem.
—
Estão as gaivotas em terra — disse uma voz humana, abrindo uma janela, junto à
praia. — Vai haver tempestade. Sendo assim, já não me arrisco a ir para o mar.
De
facto, quando as gaivotas ficam em terra, os pescadores sabem que o tempo vai
mudar. Elas é que dão o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem quando a
tempestade se aproxima.
“Afinal,
sempre tenho alguma utilidade”, pensou a gaivota que queria ser pomba, toda
enrolada numa bola de penas, e, daí em diante, preferiu continuar a ser
gaivota.
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