A Defesa do Poeta
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em
código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores
banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores
professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores
tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores
heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores
três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores
juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma
impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
Natália
Correia, in “Poesia Completa”.
Imagem: Parque dos Poetas, Oeiras, Portugal.
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