domingo, 3 de janeiro de 2016

FRANÇOIS RABELAIS - Gargântua

 
 
 
 

François Rabelais (Chinon, França, 1494 – Paris, França, 1553)

Escritor, médico, professor e padre, foi um dos principais nomes do Renascimento Literário europeu da Idade Moderna.

Lutou com entusiasmo para renovar, à luz do pensamento antigo, o ideal filosófico e moral do seu tempo.

Os seus escritos tratavam de forma sarcástica os vícios da sociedade da sua época. Sofreu, por isso, perseguições de seus pares católicos e intelectuais.

Foi autor de duas obras-primas: Pantagruel e Gargântua.

 
 
 

Gargântua (excerto)

(…) Pouco tempo depois, ela começou a suspirar, a se lamentar e a chorar. Subitamente, de todos os cantos vieram as parteiras e, apalpando por debaixo, encontraram algumas saliências nojentas, e pensaram que era o bebê. Mas era o fiofó dela que havia lhe escapado, por causa do amolecimento do intestino — chamado de entranhas — porque havia comido muitas tripas, como havíamos declarado anteriormente.

Então, uma velha feia da companhia, que tinha a reputação de ser uma grande médica, vinda de Brisepaille, perto de Saint Genou, sessenta anos atrás, fez-lhe um constipante tão horrível que suas pregas se obstruíram e se fecharam tanto, que, até com os dentes, seria difícil abri-las, o que é algo horrível de se pensar: mesmo imitando o diabo, que na missa de Saint Martin, transcreveu o bate-papo de duas galesas, esticando o pergaminho com os dentes.

Por este inconveniente, soltaram-se os cotilédones de seu útero, através do qual a criança saltou pra cima e entrou na veia cava. Então, escalando o diafragma até os ombros (onde a veia se divide em duas), ela tomou o caminho da esquerda e saiu pela orelha esquerda.

Assim que nasceu, não chorou como as outras crianças: “Miez, miez", mas gritou em voz alta, "beber! beber! beber!", como se convidasse todo o mundo a beber. E o barulho era tão alto que podia ser ouvido ao mesmo tempo nos países de Beausse e Bibaroys.

Questiono-me se você não acredita totalmente neste estranho nascimento. Se não acredita, não me importo; mas um homem de bem, um homem de bom senso, acredita em tudo que lhe contam e em tudo que lhe chega por escrito. Isto é contra nossa lei, nossa fé, nossa razão, contra as Santas Escrituras?

De minha parte, não encontro nada na Bíblia Sagrada que seja contra isto. Mas, se esta foi a vontade de Deus, você diria que ele não o fez? Ah, misericórdia, não emburreça jamais seu espírito com estes vãos pensamentos, pois eu lhe digo que nada é impossível para Deus e, se ele quisesse, todas as mulheres dariam à luz, doravante, pela orelha. (…)

 
Tradução: Henry Alfred Bugalho

Imagem: ilustração de Gustave Doré

 

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