François Rabelais (Chinon, França, 1494 – Paris, França, 1553)
Escritor, médico,
professor e padre, foi um dos principais nomes do Renascimento Literário
europeu da Idade Moderna.
Lutou com entusiasmo
para renovar, à luz do pensamento antigo, o ideal filosófico e moral do seu
tempo.
Os seus escritos
tratavam de forma sarcástica os vícios da sociedade da sua época. Sofreu, por
isso, perseguições de seus pares católicos e intelectuais.
Foi autor de duas
obras-primas: Pantagruel e Gargântua.
Gargântua
(excerto)
(…) Pouco tempo depois, ela começou a suspirar, a se
lamentar e a chorar. Subitamente, de todos os cantos vieram as parteiras e,
apalpando por debaixo, encontraram algumas saliências nojentas, e pensaram que
era o bebê. Mas era o fiofó dela que havia lhe escapado, por causa do
amolecimento do intestino — chamado de entranhas — porque havia comido muitas
tripas, como havíamos declarado anteriormente.
Então, uma velha feia da companhia, que tinha a reputação
de ser uma grande médica, vinda de Brisepaille, perto de Saint Genou, sessenta
anos atrás, fez-lhe um constipante tão horrível que suas pregas se obstruíram e
se fecharam tanto, que, até com os dentes, seria difícil abri-las, o que é algo
horrível de se pensar: mesmo imitando o diabo, que na missa de Saint Martin,
transcreveu o bate-papo de duas galesas, esticando o pergaminho com os dentes.
Por este inconveniente, soltaram-se os cotilédones de seu
útero, através do qual a criança saltou pra cima e entrou na veia cava. Então,
escalando o diafragma até os ombros (onde a veia se divide em duas), ela tomou
o caminho da esquerda e saiu pela orelha esquerda.
Assim que nasceu, não chorou como as outras crianças:
“Miez, miez", mas gritou em voz alta, "beber! beber! beber!",
como se convidasse todo o mundo a beber. E o barulho era tão alto que podia ser
ouvido ao mesmo tempo nos países de Beausse e Bibaroys.
Questiono-me se você não acredita totalmente neste
estranho nascimento. Se não acredita, não me importo; mas um homem de bem, um
homem de bom senso, acredita em tudo que lhe contam e em tudo que lhe chega por
escrito. Isto é contra nossa lei, nossa fé, nossa razão, contra as Santas
Escrituras?
De minha parte, não encontro nada na Bíblia Sagrada que
seja contra isto. Mas, se esta foi a vontade de Deus, você diria que ele não o
fez? Ah, misericórdia, não emburreça jamais seu espírito com estes vãos
pensamentos, pois eu lhe digo que nada é impossível para Deus e, se ele
quisesse, todas as mulheres dariam à luz, doravante, pela orelha. (…)
Imagem: ilustração de Gustave Doré
Sem comentários:
Enviar um comentário