Alberto Pimentel
(Porto, Portugal, 1849 – Queluz,
Portugal, 1925), romancista, poeta e dramaturgo.
O ilustre escritor,
discípulo amado de Camilo, que é Alberto Pimentel, autor de alguns trabalhos de
verdadeiro valor sobre o grande mestre, honra hoje o “Diário de Notícias” com
uma tentativa de popularização do culto camiliano, dando-nos o Fado de Camilo.Para essa peça literária
feita ao sabor e na toada popular, para ser cantada com ou sem côro, fez Tomás
Borba, músico e professor cujo nome dispensa elogios, a música do Fado de Camilo.
FADO
DE CAMILO
(INÉDITO)
Mãe
e Pai perde em Lisboa,
Acolhe-se
a Trás-os-Montes
E
entre alpestres horizontes,
Cuja
orla o Marão coroa,
A
juventude lhe voa.
Vê
morgadas, vê riquezas,
Mas
prefere as camponesas
E
até desposa uma delas
Por
ser bela entre as mais belas
Das tricanas portuguesas.
Côro
Nós cantando transmitimos
Cheio de glória aos
vindouros
O seu nome que cingimos
De rosas, palmas e louros.
A
vida alegre o tentou
Lá
na cidade do Porto
E
assim por caminho torto
A
ser doutor não chegou,
Apaixonado
raptou
Uma
elegante menina,
Mas
quis a sorte mofina
Que
ambos fossem perseguidos
E
à cadeia conduzidos
Porque
amor os incrimina.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Na
boémia literária,
Livre
já, em breve entrou
E
logo fama ganhou.
Vendo
então que a sorte varia
Não
lhe é nas letras contrária
Ele
mesmo toma alento,
Revela
graça e talento,
Escreve
prodigamente,
Trabalha
muito e contente,
Sem
descansar um momento.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Fez-se
um grande romancista,
Com
empolgante verdade
Pinta
a dor, pinta a saudade,
Na
dicção foi um purista,
No
brilho um belo estilista.
Manejava
a ironia
Com
brio, com galhardia.
E
nos combates da pena
Quando
lutava na arena
Nenhum
outro o excedia.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Soou-lhe
a hora tremenda
Duma
trágica paixão,
Os
velhos tinham razão
Cegando
o amor com uma venda.
Cupido
não tem emenda:
É
um desastrado guia.
Foi
em longa idolatria
Por
Camilo requestada
Uma
senhora casada,
Cujo
encanto o seduzia.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
São
presos os dois amantes,
Volta
à cadeia o escritor
Por
um delito de amor.
Em
estos febricitantes,
Faz
livros emocionantes,
Entre
desgraçada gente,
De
crimes num ambiente:
Livros
que conquistam almas.
Lhe
dão do triunfo as palmas
Com
simpatia indulgente.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Vai-lhe
o renome acudir:
O
júri os dois réus liberta,
Tendes
do cárcere aberta
A
porta, podeis sair.
Ide
um ninho construir,
Ide
em paz com o vosso amor,
Absoltos,
já sem pavor,
Colher
do adultério o fruto,
Que
tem valor diminuto
Por
ter um acre sabor.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Geram
filhos desvairados,
Que
não lhes dão alegria
Nem
lhes fazem companhia.
São
dois entes malfadados,
Ambos
desventurados.
Um
causa ao Pai dor imensa
Por
ser louco de nascença,
Casar
rico o outro quer:
Gasta
o dote da mulher
E
só estroinices pensa.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Desgraça
sobre desgraça
Era
a sina de Camilo,
Veio
ainda persegui-lo
Uma
asa negra que passa
Nos
seus olhos e esvoaça
Sinistramente:a
cegueira.
Numa
aflitiva canseira
Vai
seguindo várias pistas
Daqueles
especialistas
Que
atingem maior craveira.
Côro
Nós cantando transmitimos,
etc.
Pede
luz e luz espera:
Não
a vê, carpe-se, chora,
Toda
a noite espera a aurora
E
ela não vem: desespera.
Dor
infinda o dilacera:
Não
pode já escrever.
Torturado
de sofrer,
Por
fim entrega-se à morte.
Chorai
a sua má sorte,
Gentes
que gostais de o ler.
Coro Final
Seu
fado acabais de ouvi-lo.
Glória
a Camilo – a Camilo.
in “Diário de Notícias”, publicado no dia 16 de Março de 1925.
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