domingo, 16 de outubro de 2016

ALBERTO PIMENTEL – Fado de Camilo (Castelo Branco).





Alberto Pimentel (Porto, Portugal, 1849 – Queluz, Portugal, 1925), romancista, poeta e dramaturgo.

O ilustre escritor, discípulo amado de Camilo, que é Alberto Pimentel, autor de alguns trabalhos de verdadeiro valor sobre o grande mestre, honra hoje o “Diário de Notícias” com uma tentativa de popularização do culto camiliano, dando-nos o Fado de Camilo.Para essa peça literária feita ao sabor e na toada popular, para ser cantada com ou sem côro, fez Tomás Borba, músico e professor cujo nome dispensa elogios, a música do Fado de Camilo.



  FADO DE CAMILO
         (INÉDITO)

Mãe e Pai perde em Lisboa,
Acolhe-se a Trás-os-Montes
E entre alpestres horizontes,
Cuja orla o Marão coroa,
A juventude lhe voa.
Vê morgadas, vê riquezas,
Mas prefere as camponesas
E até desposa uma delas
Por ser bela entre as mais belas
Das tricanas portuguesas.

                Côro

Nós cantando transmitimos
Cheio de glória aos vindouros
O seu nome que cingimos
De rosas, palmas e louros.

A vida alegre o tentou
Lá na cidade do Porto
E assim por caminho torto
A ser doutor não chegou,
Apaixonado raptou
Uma elegante menina,
Mas quis a sorte mofina
Que ambos fossem perseguidos
E à cadeia conduzidos
Porque amor os incrimina.

             Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Na boémia literária,
Livre já, em breve entrou
E logo fama ganhou.
Vendo então que a sorte varia
Não lhe é nas letras contrária
Ele mesmo toma alento,
Revela graça e talento,
Escreve prodigamente,
Trabalha muito e contente,
Sem descansar um momento.

                  Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Fez-se um grande romancista,
Com empolgante verdade
Pinta a dor, pinta a saudade,
Na dicção foi um purista,
No brilho um belo estilista.
Manejava a ironia
Com brio, com galhardia.
E nos combates da pena
Quando lutava na arena
Nenhum outro o excedia.

              Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Soou-lhe a hora tremenda
Duma trágica paixão,
Os velhos tinham razão
Cegando o amor com uma venda.
Cupido não tem emenda:
É um desastrado guia.
Foi em longa idolatria
Por Camilo requestada
Uma senhora casada,
Cujo encanto o seduzia.

              Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

São presos os dois amantes,
Volta à cadeia o escritor
Por um delito de amor.
Em estos febricitantes,
Faz livros emocionantes,
Entre desgraçada gente,
De crimes num ambiente:
Livros que conquistam almas.
Lhe dão do triunfo as palmas
Com simpatia indulgente.
 
                 Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Vai-lhe o renome acudir:
O júri os dois réus liberta,
Tendes do cárcere aberta
A porta, podeis sair.
Ide um ninho construir,
Ide em paz com o vosso amor,
Absoltos, já sem pavor,
Colher do adultério o fruto,
Que tem valor diminuto
Por ter um acre sabor.


                 Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Geram filhos desvairados,
Que não lhes dão alegria
Nem lhes fazem companhia.
São dois entes malfadados,
Ambos desventurados.
Um causa ao Pai dor imensa
Por ser louco de nascença,
Casar rico o outro quer:
Gasta o dote da mulher
E só estroinices pensa.

             
                  Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Desgraça sobre desgraça
Era a sina de Camilo,
Veio ainda persegui-lo
Uma asa negra que passa
Nos seus olhos e esvoaça
Sinistramente:a cegueira.
Numa aflitiva canseira
Vai seguindo várias pistas
Daqueles especialistas
Que atingem maior craveira.


                   Côro

Nós cantando transmitimos, etc.

Pede luz e luz espera:
Não a vê, carpe-se, chora,
Toda a noite espera a aurora
E ela não vem: desespera.
Dor infinda o dilacera:
Não pode já escrever.
Torturado de sofrer,
Por fim entrega-se à morte.
Chorai a sua má sorte,
Gentes que gostais de o ler.


        Coro Final

Seu fado acabais de ouvi-lo.
Glória a Camilo – a Camilo.




in “Diário de Notícias”, publicado no dia 16 de Março de 1925.


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