domingo, 30 de outubro de 2016

O RENASCER DOS BELOS SENTIMENTOS UMA VEZ SATISFEITAS AS NECESSIDADES BÁSICAS





O renascer dos belos sentimentos uma vez satisfeitas as necessidades básicas
                                
                               «Para se exercerem as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material.»
(Santo Agostinho)

Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem rumo, em qualquer lugar em que há dificuldade de alimentação e o homem começa a sentir o remorder do antropo ou qualquer outra fagia que lhe espicace o estômago.

Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, etc), seguido apenas do seu fiel cachorro. 

Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: «Pam, pam, pam, ó de casa!». 

Já batera antes, mas o homem fingia que não ouvia. 

Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. 

Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilómetros. 

Matou-o, assou-o num fogo improvisado e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão!). 

Quando tinha acabado de comer todo o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. 

E foi então que olhou em torno e começou a chorar: «Ai, ai, ai, - soluçou, - pobre do Luluzinho! Como ele adorava roer esses ossos!».


Moral: Quando eu tiver uma casa bem confortável escreverei um Tratado de Sociologia.





Millôr Fernandes, escritor, poeta, humorista, dramaturgo, jornalista (Rio de Janeiro, Brasil, 1923 – 2012), in “Pif-Paf”.

Imagem:pintura de Manuel Araújo (Porto Alegre, Brasil, 1806 – Lisboa, Portugal, 1879).



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