Alberto Moravia (1907-1990) nasceu em Roma, Itália.
Considerado um dos romancistas líderes do século XX, os seus romances exploram temas como a sexualidade, a alienação social e o existencialismo.
Escreveu sobre a sociedade europeia, que considerava hipócrita, hedonista e condescendente.
Foi autor de centenas de contos, tais como: A Casa de Praia das Sextas-feiras, Contos Romanos, Novos Contos Romanos.
Alguns dos seus livros foram adaptados para o cinema, entre os quais se destacam: O Desprezo, realizado por Jean Luc Godart e O Conformista, dirigido por Bernardo Bertolucci.
Foi presidente da Associação Internacional de Escritores.
Palavras de Alberto Moravia:
"Creio que a amizade é mais difícil e mais rara do que o amor. Por isso, há que salvá-la a todo o custo."
“No dia de Natal, quando o comerciante Policarpi-Cúrcio ouviu pelo
telefone a mulher pedir-lhe que chegasse a casa pontualmente porque tinha peru,
alegrou-se muito, visto que, com o passar dos anos, não lhe restara outra
paixão a não ser a gula.
Imensa porém foi sua surpresa quando, ao chegar a casa por volta do
meio-dia, encontrou o peru não na cozinha, enfiado no espeto e girando
lentamente sobre um fogo de carvão, mas na sala de visitas.
O peru, vestido
com elegância antiquada, com um paletó preto com debruns de seda, calças em
tecido xadrez preto e branco e colete cinza com botões de osso, conversava com
a filha de Cúrcio.
A surpresa de
Cúrcio ao encontrar o peru numa atitude e num lugar tão insólitos foi tão
grande que, após as apresentações, aproveitando um momento de silêncio, ele não
pôde deixar de inclinar-se para frente e dizer com cortesia mas também com
firmeza: "Com licença, senhor... não sei se estou enganado... mas... mas
me parece que o seu lugar não deveria ser aqui... repito, não sei se estou
enganado... mas... o seu lugar deveria ser... ia dizer "na panela",
quando a mulher que, como ela mesma dizia, conhecia o seu rebanho, pisou-lhe no
pé; e Cúrcio, que sabia por longa experiência o que significava aquele gesto,
calou-se.
A mulher, então,
fez-lhe um sinal e, arrastando-o para fora da sala, disse-lhe em voz baixa e
excitada que, pelo amor de Deus, não estragasse tudo. O peru era nobre, rico e
influente; enfim, um excelente partido; e já demonstrava um interesse
particular e evidentíssimo por Roseta; por acaso, com seus estúpidos
comentários, ele queria acabar com o casamento que estava quase para se
concretizar? Cúrcio desculpou-se com a mulher e jurou que não abriria mais a
boca.
Quanto ao peru, a
pergunta do anfitrião desavisado teve apenas o efeito de fazê-lo pegar o
monóculo e examinar o infeliz de cima a baixo. Logo depois voltou a conversar
com a filha de Cúrcio. (…)
(…) Contudo, essa
antipatia de Cúrcio era mais do que compensada pela enfatuação das duas
mulheres, mãe e filha, pelo peru. A mulher de Cúrcio e Roseta ficavam
simplesmente suspensas aos lábios, ou melhor, aos barbilhões do peru, que as
fascinava com seus relatos incríveis de festas, divertimentos, viagens,
sucessos mundanos.
A familiaridade
respeitosa de um peru como aquele, que tinha intimidade com a alta sociedade,
envaidecia a mãe.
Quanto a Roseta,
ela enrubescia, empalidecia, tremia e dirigia ao peru olhares ora suplicantes,
ora inflamados, ora lânguidos, ora assustados. (…)
Alberto Moravia, in “Os cem melhores contos de
humor da literatura universal”.
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