sábado, 29 de novembro de 2014

Alberto Pimenta

 
 
 
 

Alberto Pimenta (Porto, 1937) é escritor, poeta, dramaturgo, ensaísta, tradutor e professor. Destaca-se pelo carácter crítico e irreverente da sua obra.

A sua actividade no domínio da criação literária está relacionada com os movimentos experimentalistas.

Esteve exilado por oposição política ao regime do Estado Novo, regressando a Portugal em 1977.

Para marcar simbolicamente o conteúdo insurrecto da sua obra, protagonizou alguns eventos insólitos, tais como: queimou, publicamente, o seu ensaio O Silêncio dos Poetas, um importante estudo sobre o sentido da criação literária ligada aos movimentos de vanguarda; encerrou-se numa jaula do Jardim Zoológico de Lisboa; expôs-se para venda à porta da Igreja dos Mártires, entre outros acontecimentos.

Algumas das suas obras: O Silêncio dos Poetas, obra quase incompleta, Ainda há muito para fazer, Tomai, isto é o meu porco, Discurso sobre o filho-da-puta, O Desencantador, Homo sapiens.

 

 
 
Palavras de Alberto Pimenta:

«Era uma belíssima ideia juntar, fazer dos jardins das maternidades os cemitérios. Apanhava a vida em seu sentido total, não é mesmo? Os cemitérios são uns dos lugares mais agradáveis neste país para passear. São os únicos lugares limpos, são muito sossegados, são serenos.

Não tem aquela coisa que a outros portugueses incomoda tanto que é os namorados a beijarem-se. Isso é uma coisa que incomoda a muitos portugueses que é o afecto. O beijo, principalmente, se for intenso.»

 

 
Ontem o pregador de verdades dele

 
Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer,
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!
Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles.
E não se cura de fora,
Porque sofrer não é ter falta de tinta
Ou o caixote não ter aros de ferro!

Haver injustiça é como haver morte.
Eu nunca daria um passo para alterar
Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.
Mil passos que desse para isso
Eram só mil passos.
Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,
E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.

Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.
Para qual fui injusto – eu, que as vou comer a ambas?

 

Alberto Pimenta

 

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