Meu querido irmão
Certamente te irá surpreender
e penalizar a minha carta, mas entendo que é melhor dizer-te eu própria tudo o
que há de novidade, em vez de deixar que aos teus ouvidos cheguem
malevolências que te podem dar de mim
uma ideia errada e injusta.
Eu deixei que tivesses da
minha vida uma certeza de felicidade que ela de forma alguma possuía, nunca me
ouviste uma queixa, nunca ninguém me viu uma lágrima, e no entanto a minha vida
de há dois anos foi um calvário que me dá direito a ter razão e a não me
envergonhar de mim.
Sofri todas as humilhações,
suportei todas as brutalidades e grosserias, resignei-me a viver no maior dos
abandonos morais, na mais fria das indiferenças, mas um dia
chegou em que eu me lembrei da vida que passava, que a minha bela e ardente
mocidade se apagava, que eu estava a transformar-me na mais vulgar das mulheres, e por orgulho, e
mais ainda por dignidade, olhei de frente, sem cobardias nem fraquezas, o que
aquele homem estava a fazer da minha vida, e resolvi liquidar tudo
simplesmente, sem um remorso, sem a mais pequena mágoa.
Estou a divorciar-me e para
me casar novamente, se a lei mo permitir, ou para viver assim, se a moralidade
do Código o exigir. Dois anos lutei em vão para fugir a um amor que estava a
encher-me toda, e este que encontrei agora orgulho-me dele pois é um ser único,
como eu esperava encontrar, enfim, na vida. Tudo quanto me digas não é a décima
parte do que eu me tenho dito.
Pensei na sociedade, pensei
na família, nos amigos, e principalmente em ti, mas que queres? Eu não podia
sacrificar-me a isso tudo que é muito, mas que nada é comparado a isto que eu
sinto e que eu antes queria morrer do que perder. Por isso não me digas nada,
para quê?
Pensa de mim o que
quiseres, que eu estou disposta a aceitar tudo contanto que uns olhos me vejam
sempre a melhor, a única entre todas as outras.
Que importa o resto? Para
ti serei sempre a mesma, a irmã muito amiga de quem podes dispor em toda a
minha vida; para os outros morri; que me enterrem em paz, que não pensem mais
em mim e é tudo o que eu desejo.
Gostava de saber de ti, mas
se tu não quiseres mais lembrar-te que eu existo, adeus até um dia que tu
queiras, pois serei sempre a mesma,
a tua Bela
29 de Dezembro de 1923
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