O caldo de pedra
Um
frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram
aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:
—
Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a
terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A
gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:
—
Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.
Responderam-lhe:
—
Sempre queremos ver isso.
Foi
o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
—
Se me emprestassem aí um pucarinho.
Deram-lhe
uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.
—
Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.
Deixaram.
Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
—
Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
Foram-lhe
buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que
via. Diz o frade, provando o caldo:
-
Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também
lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-
Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.
A
dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e
ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.
Quando
os olhos já estavam aferventados disse o frade:
-
Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe
um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do
alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um
regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no
fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:
-
Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu
o frade:
-
A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E
assim comeu onde não lhe queriam dar nada.
Contos Tradicionais do Povo Português coligidos por Teófilo Braga
Sem comentários:
Enviar um comentário