O Velho Querecas
Eram
três irmãs, muito pobres, que viviam do seu trabalho aturado. Naquela terra
havia uma casa em que ninguém queria morar porque lá dentro ouviam-se de noite
grandes gritos e terrores; as raparigas, para pouparem o aluguer, foram pedir
para as deixarem morar naquela casa. A mais nova, como mais animosa, foi morar
para o último andar.
Uma
noite, mal ela se tinha acabado de deitar, ouviu uma voz gritar:
– Eu
caio!
– Pois
cai! – respondeu-lhe a rapariga. De um buraco do teto caiu uma perna. Depois
soou de novo o mesmo grito:
– Eu
caio!
– Pois
cai! – repetiu a rapariga; e assim foram caindo os braços, o tronco, até que
ela achou diante de si um homem já muito velho e calvo. O velho chegou-se
próximo da rapariga, e perguntou-lhe:
– Não
tens medo de mim?
– Não.
– Fazes
muito bem; és a primeira e única pessoa que resiste ao medo de me ver. Em paga
da tua coragem toma lá esta bolsa, e quando te vires nalguma aflição diz
sempre: Valha-me aqui o velho Querecas.
O
dinheiro da bolsa nunca se acabava, e as três irmãs começaram a viver com
largueza. No entanto a mais nova começou a sentir que por mais que se fechasse
no seu quarto parecia-lhe que sentia meter-se alguém na cama com ela.
Lembrou-se se seria o velho Querecas, e teve uma certa repugnância; mas para
certificar-se, uma noite acendeu de repente a luz, e viu deitado ao pé dela um
mancebo formoso, que estava adormecido. Estava tão embebida a olhar para ele,
que lhe caiu um pingo de cera na cara. O mancebo acordou de repente, e disse:
– Ah!
Desgraçada, o que fizeste; dobraste-me o encantamento, que estava quase no fim!
Agora não me tornas mais a ver.
A menina chorou
muito, e ainda mais quando conheceu o estado em que se achava. Lembrou-se então
do segundo dom, e disse:
– Valha-me aqui o
velho Querecas.
– Aqui estou já, e
bem sei porque me chamas. Há só um modo de remediar o mal que a ti mesma
fizeste. Toma lá estes três novelos, e vai andando sempre, sempre até onde eles
se acabarem; onde quer que seja pede que te deem aí pousada do ar da noite.
A rapariga chorou por
ter de deixar as irmãs, mas o que ela queria era quebrar o encantamento daquele
moço; foi andando, andando até ir dar ao fim de muito tempo a um palácio
cercado de um rico jardim. Espreitou pelo buraco da chave, e viu lá dentro uma
sala com muitas mulheres trabalhando em lindos vestidos de noivado, e fazendo
as roupinhas de uma criança. Teve receio de bater àquela porta, e foi rodeando
o palácio, até que encontrou o hortelão, a quem pediu pousada. O hortelão
respondeu-lhe:
– Você sabe em casa
de quem está para vir assim pedir pousada?
– O que sei é que já
me não tenho de cansada; e é por uma esmola.
O hortelão teve dó da
rapariga e deu-lhe um canto no palheiro; ela deitou-se mais morta que viva, e
ali mesmo deu um menino à luz. Tudo aquilo se transformou num quarto muito
asseado e rico. Quando o hortelão veio ao outro dia, ficou pasmado com o que
viu. Foi dar logo parte à rainha, que também quis certificar-se da maravilha.
Quando chegou ao lugar em que estava a menina deu um grito ao ver a criança:
– Oh senhora! Quem é
o pai deste menino?
A rapariga ficou
muito envergonhada por não poder logo dizê-lo; no meio da sua confusão contou o
caso do velho Querecas. Foi então que a rainha se lembrou:
– Esse menino é o
retrato de meu filho, que me desapareceu, sem nunca mais saber dele nova má nem
boa.
A rainha levou a
rapariga para o palácio, tratou de lavar a criança, e quando a despiu achou-lhe
nas costas um grande sinal. Reparou, e viu que era um pequeno cadeado com uma
chavinha. Quis ver se o abria, mas com receio disse à mãe que experimentasse a
ver se dava volta àquela chavinha. Logo que a mãe pegou na chave abriu o
cadeado, e imediatamente se quebrou o encantamento do príncipe que deveu a sua
liberdade ao ânimo daquela rapariga com quem casou logo.
Imagem:
pintura de Peter Paul Rubens (Siegen,
Alemanha, 1577 – Antuérpia, Bélgica, 1640).
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