sexta-feira, 17 de junho de 2016

ANTÓNIO MARIA EUSÉBIO, “O Calafate”






António Maria Eusébio, poeta popular, cantador e improvisador, nasceu e morreu em Setúbal (1819-1911). 
Exerceu na sua terra natal a profissão de calafate, ficando conhecido por Cantador de Setúbal, Eusébio Calafate ou simplesmente Calafate.

Não sabia ler, mas improvisava com a maior facilidade as tradicionais décimas a mote, muitas das quais ele próprio cantou durante a mocidade acompanhando-se com guizos nos pulsos. Quando a idade o impediu de continuar a trabalhar, os amigos fizeram publicar os seus versos em folhetos, vendidos em Setúbal, Palmela, Azeitão, Alcácer, tornando-se assim célebres os versos do poeta- calafate. 

Para ganhar a vida percorria feiras e romarias a cantar e a vender folhetos, à semelhança do que sucedeu com o seu congénere algarvio António Aleixo.

Os versos de Calafate foram recolhidos em livro, em 1901 – Versos do Cantador de Setúbal - com prefácio de Guerra Junqueiro.

Extremamente original e profundamente satírica, a sua poesia constitui, além do mais um precioso repositório da vida setubalense oitocentista, uma vez que numerosas das suas décimas se satirizam ou simplesmente narram episódios do quotidiano, desde as lutas liberais até aos progressos urbanos da cidade.

A popularidade da sua poesia contribuiu largamente para fazer de Setúbal no século passado e nas primeiras décadas do século XX um significativo centro de criação fadista.



Fonte: “Histórias do Fado” de Maria Guinot, Ruben de Carvalho e José Manuel Osório.



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Já fui operário artista


Mote

Já fui operário artista
Agora, já pouco valho;
Comprem-me algum papelinho,
Em paga do meu trabalho.


Glosa

Já gozei a mocidade
Esse bem tão precioso,
Fui homem laborioso
E trabalhei de vontade.
Já servi na sociedade,
Já fui homem moralista,
O meu vulto já fez vista
No seio das classes pobres,
Já fui nobre ao pé dos nobres,
Já fui operário artista.

Já tive as mãos calejadas
Do muito que trabalhei,
Meus braços atormentei
Com ferramentas pesadas.
Tive horas amarguradas,
Joguei, rasguei o baralho,
Hoje apanho algum retalho
Que a ambição deixa cair,
P'ra pouco posso servir,
Agora já pouco valho.

Até ando ameaçado
De fome ainda passar,
Por a um homem estimar,
A quem estou obrigado.
Sou pobre velho e cansado,
Estou no fim do meu caminho;
Porque sou do Zé povinho,
Não devo ser esquecido,
Seja qual for o partido,
Comprem-me algum papelinho.

Nunca fiz ruins papéis
Nem andei pondo cartazes
Nem atirei aos rapazes
Com moedas de dez réis.
Falem, pois, os infiéis,
Chamem-me velho, espantalho;
Como, agora já não valho
De tabaco uma pitada,
Levo alguma bofetada
Em paga do meu trabalho.



Imagem: Busto dedicado à memória do poeta, situado no Parque do Bonfim, em Setúbal, de autoria do escultor Castro Lobo.


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