EXISTENCIALISMO PARA USO DOMÉSTICO
Entrevistando há semanas o
romancista e filósofo Jean- Paul Sartre, porventura o autor mais discutido do
momento, o jornalista disparava a certa altura a pergunta inevitável:
- E o existencialismo?
Ao que Sartre, fitando o
entrevistador com falsa ingenuidade, respondeu apenas:
- L´existencialisme? Connais
pas…
Também nós, perante a
frequência com que os jornais portugueses deram em utilizar o existencialismo,
temos vontade de dizer: Nunca ouvi falar em tal coisa!
Não há cronista parisiense
«en mal» de assunto, que não deite a mão à providencial palavra. Como eles
rejubilam! Um novo «ismo»! Dizer mais disparates sobre o «surréalisme?» - Não:
esse já é velho, tem mais de vinte anos. («E não morre, será bom haver
prudência, quem sabe se ainda veremos Breton na Academia?» pensa o cronista.
Mas o existencialismo, que
mina! Tanto mais que existência, toda a gente sabe o que é, pois não é? Está
mesmo a ver-se… Sabendo-se além disso que Sartre intitulou um dos seus romances
«A náusea», e é, por outro lado autor da uma tese filosófica sobre «O Ser e o
Nada» - o cozinhado está pronto! Existencialismo, portanto, é uma filosofia …
do enjôo! «A porca da vida, etc…»
O ser – não é nada –
perdão! – o ser é o nada… Em conclusão: uma filosofia sem idealismo nenhum, uma
filosofia feia, que reduz tudo a …cisco.
Os nossos jornais têm o
condão de nos pôr em contacto com a cidade mais inteligente do mundo pela de
quantos anónimos «fazem pela vida» nas vielas da vida literária da Cidade da
Luz.
É a esses ilustres
desconhecidos que a nossa imprensa diária pede a luz sobre a vida intelectual
do mundo, e a de Paris em primeiro lugar.
Pedir a colaboração de
autores cuja opinião conta, é acatada e merecidamente apreciada? Livra! Eram
capazes de escrever artigos sérios, que sensaboria! Que diriam os leitores,
pensa o director, habituados a que lhe cozinhem tudo em picado de fácil
digestão?
Então vão-se buscar os
senhores perfeitamente anódinos, que devem ter muita raiva a todos os autores
responsáveis, e que só pensam em «fazer graça» com as coisas que para os outros
são sérias. Vá pelo picado de existencialismo… E o público come… e quando
alguém lhe vier dizer o que é realmente o existencialismo, arrisca-se a um
encolher de ombros de pessoa bem informada:
«Já li outro dia…É aquela filosofia ignóbil que diz que a vida dá náuseas. Afinal aqueles franceses continuam desmoralizados. De um bom Bourget é que nós precisamos…»
in “Mundo Literário”:
semanário de crítica e informação literária, científica e artística – de 1 de
Junho de 1946.
Imagem: pintura de Gustavo Boggia (Argentina)
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