CONFERÊNCIAS
CIENTÍFICAS – O chapéu de chuva e o de sol
(Para
uso dos alunos dos liceus)
Podemos definir do modo
seguinte o chapéu de chuva; é o chapéu de sol, quando o tempo está chuvoso.
Vice-versa; chapéu de sol é o chapéu de chuva quando o tempo está de sol.
Conhecido assim o objecto
de que me vou ocupar, passarei a descrever aos meus pequenos e inteligentes
ouvintes a sua origem, importância e tudo o mais que convém saber.
O chapéu de chuva, antes
de ser o que é, foi bengala simplesmente, cuja existência, como se sabe remonta
à mais apagada antiguidade, pois foi primeiro usada pelo nosso pai comum, o
chimpanzé, ou o homem dos bosques, que a ela se encostava por ser fraco das
pernas.
De posse de tal auxiliar,
num dia em que chovia a potes, o homem reparou que a bengala de nada lhe servia
contra as cordas de água que o açoitavam. Tirou um lenço da algibeira, pô-lo na
cabeça, imaginando que assim a livraria da molha, mas em breve se convenceu da
ineficácia do remédio. Desesperado, agarrou no lenço e, para não encharcar a
algibeira, em vez de o meter ali pendurou-o na ponta da bengala.
- Cá está o que me vai
livrar da chuva! – exclamou logo, atravessando-lhe o cérebro um raio de génio.
Inventado assim o chapéu
de chuva, o de sol seguiu-se-lhe sem esforço, repetida a experiência feita com
o lenço.
É claro que, com o andar
do tempo se notou que um lenço não tinha o tamanho suficiente para defender o
individuo e, ainda lá mais para diante, se reconheceu que um pedaço de pano a
bambolear na ponta de um pau só muito imperfeitamente servia de resguardo, daí
a invenção das varetas.
Quanto à importância do
chapéu de chuva, basta que nos lembremos que foi ele, por assim dizer, o ceptro
do primeiro presidente que teve a República Portuguesa. Mas, ainda há mais: o
Viático, quando saía à rua, era sempre resguardado pela umbela, chovesse ou
não, estivesse sol ou não estivesse.
E encarando esse objecto sob o aspecto
comercial, digam-me: como poderiam fazer negócio as lojas de chapéus de chuva
se os não houvesse? Esses pequenos galegos que por aí percorrem a gritar «conxerta tchapéus de sol» como poderiam
concertá-los se eles não existissem?
Agora, duas palavras sobre
o mais que convém saber neste assunto.
Quando forem a um teatro, a qualquer
sítio onde concorra muita gente e tenham que deixar o guarda chuva no
bengaleiro, tenham mil cautelas quando o forem buscar, porque a troca é
facílima: se lhe derem outro não o aceitem se for inferior ao seu ou pelo mau
estado ou porque seja de fazendo pior.
Aconselho a que, quando
andem pela rua com o guarda chuva fechado, debaixo do braço e a ponteira para a
frente, nunca a metam pelo olho de quem vier em sentido contrário, sem que em
seguida peçam desculpa, para não passarem por mal educados.
Se o levarem aberto
e junto dos meninos passar outra pessoa também de guarda chuva aberto façam o
possível por que sejam as pontas das varetas do seu que rasguem a fazenda do
parceiro e não as de este que rasguem os dos meninos.
E até para a semana;
porque é tarde e estou com muita pressa de ir ali ao teatro República ver o
Ferreira a fim de verificar se ele seria capaz de fazer o carroceiro da revista
do Éden. Estou que não.
Bonaparte
(Aluno
do Liceu Camões)
in “Século Cómico” de 1916, suplemento humorístico do jornal
“O Século”.
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